quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Improvisação Teatral:
você sabe realmente o que é isso?

Lionel Fischer



         Assim como muitas barbaridades são perpetradas em nome de inestimáveis valores como liberdade, igualdade, fraternidade etc., da mesma forma uma série de equívocos costumam ocorrer quando se trata de improvisação teatral, sendo o mais comum a crença de que desenvoltura verbal é o suficiente - neste particular, a mestra de todos nós, Maria Clara Machado, costumava dizer que o excesso de palavras é quase sempre proporcional à ausência de sentimento.
        
Mas antes de nos aprofundarmos no tema, talvez seja imperioso recorrer à conceituação. No caso, do verbo Improvisar. Segundo mestre Aurélio...

         Improvisar: fazer arranjar, inventar ou preparar às pressas, de repente (improvisar uma fantasia, improvisar uma mentira); falar, escrever, compor, sem preparação, de improviso (improvisar um discurso).

         De suas palavras podemos deduzir no mínimo duas coisas. A primeira: que improvisar requer imaginação (inventar). A segunda: que é inerente ao verbo um sentimento de urgência (preparar às pressas). E tais atributos estão aqui restritos ao universo cotidiano, pois quando entramos no terreno teatral, muitas outras premissas se fazem indispensáveis, embora não raro desprezadas ou ignoradas. Vamos a algumas delas.

Disponibilidade
        
          Antes de qualquer outra coisa, o aluno/ator tem que tentar se colocar em um estado de total disponibilidade, pois só assim conseguirá interagir verdadeiramente com seus parceiros através dos estímulos que recebe e envia. Mas atenção: estar disponível para o outro não significa aderir a qualquer proposta apresentada, se esta se afigura como um disparate. Neste caso, e sem interromper a improvisação, o aluno deve buscar uma alternativa imediata para dar um novo rumo (ou tornar mais plausível) a uma iniciativa equivocada de seu colega, sem questioná-la com palavras inúteis, priorizando a ação.        

Coragem
        
          De todas as artes, a do ator talvez seja a que contenha os maiores riscos, posto que exercida ao vivo e sem qualquer tipo de intermediação com a platéia. Ou seja: mesmo que uma peça tenha sido exaustivamente ensaiada, ou já esteja em cartaz há muito tempo, nada impede que numa determinada noite ocorra algum imprevisto, obrigando o ator a esquecer o combinado e partir corajosamente para uma solução improvisada. Neste caso, a URGÊNCIA de encontrar uma saída convincente estimulará ao máximo a IMAGINAÇÃO do intérprete.
        
Entretanto, o ato de partir corajosamente para uma solução improvisada não nasce do nada, mas certamente é fruto de um treinamento específico, de preferência constante, a que todos os intérpretes devem se submeter, sejam eles profissionais consagrados ou jovens que estejam dando início ao seu aprendizado. E ainda que alguns exibam mais facilidade para improvisar do que outros, a coragem de lançar-se em um terreno desconhecido é essencial para qualquer um que pretenda intitular-se ATOR.

Medo
        
          Atores ou não, todos temos medo, ainda que em graus variados, de nos confrontarmos com o desconhecido. Isso significa penetrar em um local isento de referenciais tranqüilizadores, uma espécie de terra de ninguém, de onde podemos retornar mais enriquecidos ou com inquietações que não supúnhamos ter. Mas esta é uma das regras do jogo e para usufruí-lo plenamente é preciso ao menos tentar esquecer, momentaneamente que seja, todos os receios que tendem a nos paralisar e impedir de vivenciar novas experiências. É claro que essa disponibilidade não nasce de uma hora para outra, mas também jamais ocorrerá por insistência do professor ou em decorrência de qualquer outro tipo de estímulo externo. O aluno tem que querer e é essa vontade que o fará superar aos poucos todos os bloqueios que o inibem.

Ilusão
        
          Entretanto, é muito comum nos depararmos com alunos de improvisação que julgam, erroneamente, já estarem em um estágio muito avançado no tocante ao tema, pelo simples fato de freqüentarem a algum tempo um curso específico ou já terem freqüentado vários. E se incitados a justificar o porquê de avaliação tão lisonjeira, em geral as respostas são muito parecidas, podendo ser resumidas a dois singelos tópicos:

1º A timidez inicial cedeu lugar à desenvoltura.
2º As parcas palavras de outrora passaram a jorrar aos borbotões.
Ou seja: ausência de timidez e fluência verbal estariam na essência da complexa arte de improvisar...
            Nada mais enganoso, obviamente. Um aluno pode ser extremamente desenvolto em cena (no sentido de ausência de timidez) e falar pelos cotovelos sem que isso signifique que algum dia tenha verdadeiramente improvisado. Ou seja: se aventurado em universos distantes de seu cotidiano. E por nunca tê-lo feito, cria sempre “personagens” que o tem como principal referência. E por isso tende a falar, se locomover e gesticular como o faz na vida real.

Sugestões
            
Dentre outras, procurarei fazer com que os alunos compreendam as seguintes sugestões, sempre que estiverem improvisando:          
1) Procure, sempre que possível, fugir de seu universo pessoal.
2) Fale apenas o essencial. Palavras em excesso comprometem os sentimentos.
3) Aprenda a escutar os outros. Só assim os outros escutarão você.
4) Não faça questão de impor suas idéias. É importante aceitar outras.
5) Contracenar implica em troca: saber dar e saber receber.
6) Teatro é ação, não digressão.
7) Quando perceber uma dificuldade, invista nela.
8) Reaja prontamente a todos os estímulos, sem maiores racionalizações.
9) Pense sempre que você está atuando para alguém.
10) Não sofra se algo der errado numa improvisação. Acertos só nascem de equívocos.

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