sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Teatro/CRÍTICA

"Elza"

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Belíssimo tributo a uma grande artista



Lionel Fischer



De acordo com inglês Peter Brook, o maior encenador vivo, o teatro é a arte do encontro. Com isso ele quis dizer que um espetáculo pode até ser bom, a plateia se manter interessada, mas se algo de muito significativo não acontecer entre quem faz e quem assiste, o mencionado encontro jamais se dará. Pois aqui se dá esse encontro - emocionante, arrebatador, ao mesmo tempo divertido e trágico, em total sintonia com a trajetória pessoal e artística de Elza Soares.

Em cartaz no Teatro Riachuelo, o musical "Elza" tem dramaturgia assinada por Vinícius Calderoni e direção a cargo de Duda Maia. No elenco, sete atrizes interpretam a homenageada - Janamô, Júlia Dias, Késsia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte, Verônica Bonfim e Larissa Luz, cabendo a esta última a condução do espetáculo e as passagens principais do mesmo. 

Ao contrário do que em geral acontece com musicais biográficos, aqui a estrutura do texto não é necessariamente cronológica. E ainda que todos saibamos que a vida de Elza Soares foi marcada por inúmeras tragédias pessoais - a morte dos filhos e de Garrincha, violência doméstica e fartas doses de intolerância -, sua trajetória pessoal e artística nos é contada com alegria (segundo consta do release que me foi enviado, a pedido da própria Elza).

Outras duas particularidades são marcantes no presente espetáculo: tanto o elenco, como a banda, são compostos exclusivamente por mulheres. E isso me parece de suma importância em função do momento em que vivemos, que se caracteriza, dentre outros aspectos, pela força e importância cada vez maiores das mulheres, negras ou não, em todos os setores da sociedade. As mulheres já não aceitam mais o papel de coadjuvantes em um mundo até então protagonizado pelos homens. E o espetáculo, ainda que de forma não explícita, presta não apenas emocionado tributo à homenageada, mas também ao feminino.

Com relação ao texto, Vinícius Calderoni produziu uma obra belíssima, mesclando o trágico e o humor com absoluta maestria. E também conseguiu inserir  na narrativa sucessos antigos e recentes de Elza Soares sem que a mesma fosse interrompida, ou seja, quase que transformando as canções em dramaturgia. Um trabalho irrepreensível, sob todos os aspectos, que é recebido pelo público com arrebatada emoção.

Arrebatamento e emoção também estão presentes na direção de Duda Maia. E tais sentimentos advém de uma dinâmica cênica que, lidando com poucos elementos - baldes, tonéis e estruturas móveis de metal - gera um resultado de altíssima expressividade. Além de surpreendentes, todas as marcações evidenciam a imensa criatividade de uma artista maior e, além disso, em total sintonia com a contemporaneidade. Sem a menor dúvida, estamos diante de um dos melhores musicais já encenados no Rio de Janeiro.

No tocante ao elenco, todas as atrizes cantam maravilhosamente e encarnam Elza de forma irrepreensível. Mas é claro que, em função do texto, Larissa Luz tem evidente protagonismo. E o fato de se parecer fisicamente com a homenageada e também possuir um timbre de voz semelhante ao de Elza, certamente constituem trunfos adicionais. No entanto, acredito que o essencial reside na força de sua presença, em seu enorme carisma e em sua visceral capacidade de entrega, o que lhe permite valorizar ao máximo tanto as passagens mais trágicas quanto aquelas em que o humor predomina. Não hesito, portanto, em afirmar que Larissa Luz nos brinda com uma performance inesquecível.

No que concerne à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Pedro Luís (direção musical), Letieres Leite (arranjos), André Cortez (cenografia), Kika Lopes e Rocio Moure (figurinos), Renato Machado (iluminação) e Gabriel D'Angelo (design de som). E o mesmo entusiasmo estendo às excelentes musicistas Antônia Adnet, Georgia Camara, Guta Menezes, Neila Kadhí, Marfa e Priscilla Azevedo.  

ELZA - Texto de Vinícius Calderoni. Direção de Duda Maia. Com Janamô, Julia Dias, Késia Estácio, Khrystal, Laís Lacôrte, Verônica Bonfim e Larissa Luz. Teatro Riachuelo. Quinta às 19h, sexta e sábado às 20h, domingo às 18h.



    




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