segunda-feira, 8 de abril de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Os desajustados"

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Belíssima montagem sem nenhum desajuste




Lionel Fischer



Antes de iniciar a análise do presente espetáculo, gostaria de suplicar aos responsáveis pelo Oi Futuro que tenham compaixão dos que frequentam o charmoso e belo espaço. Na última quinta-feira, lá fazia um frio de tal magnitude que por um momento pensei que padecia de malária, tantos eram os tremores e arrepios que maltratavam minha delicada ossatura. Apelo feito, vamos à presente empreitada teatral.

"1960. No bangalô 21 do Beverly Hills Hotel estão hospedados Marilyn Monroe e o dramaturgo Arthur Miller. Depois de um badalado período de paixão, o casal está passando por uma crise conjugal, aparentemente disparada pela urgência de Marilyn em rodar Os desajustados, filme ambicioso, roteirizado pelo marido, para realizar o sonho da estrela de se tornar uma atriz dramática. No bangalô ao lado estão o famoso cantor francês Yves Montand, que no momento faz o par românico de Marilyn numa comédia, e sua esposa Simone Signoret, que acaba de ganhar um Oscar de melhor atriz. Marilyn e Arthur estão recebendo Simone e Yves para um jantar, no qual estará presente um fotógrafo, convidado por Marilyn para registrar o encontro - tal convite surpreende e desagrada a todos. Mas o que importa registrar é que o teoricamente festivo encontro entre amigos acaba tomando rumos inesperados".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Os desajustados", texto de Luciana Pessanha. Em cartaz no Oi Futuro, a montagem leva a assinatura de Daniel Dantas, estando o elenco formado por Tainá Müller (Marilyn Monroe), Isio Guelman (Arthur Miller), Felipe Rocha (Yves Montand) e Cristina Amadeo (Simone Signoret).

Não são poucos aqueles que, supondo deter o monopólio da verdade, afirmam que tal encontro jamais existiu. Outros, um pouco mais modestos, não negam essa possibilidade, mas sustentam que tudo ocorreu em clima cordial e ameno - curiosa opinião, sem dúvida, posto que lá não estiveram. Seja como for, e mesmo que tal encontro não tenha ocorrido e sido documentado por um fotógrafo, torna-se imperioso ressaltar que isso não tem a menor importância, pois a autora, valendo-se de seu legítimo direito de imaginar o que quiser, assim o decidiu. 

Para os que pensam o contrário, o que diriam de um autor que promovesse um encontro entre Aristóteles e Neymar Jr. à meia-noite (hora que, segundo Machado de Assis, apavora) em um terreno baldio, próximo a Jurujuba? É evidente que a vida real impediria tal encontro, certamente para alívio do filósofo, mas o criador tem toda a liberdade de inventar o que quiser. Ou não?

Com relação ao texto de Luciana Pessanha, cuja estrutura possui  alguma semelhança com "Quem tem medo de Virgínia Wollf?", cabe ressaltar seus muitos méritos. A começar por seu evidente  conhecimento das personalidades retratadas, que corresponde ao que é sabido. No entanto, mais importante do que isso, é a qualidade de sua escrita, a potência e teatralidade dos diálogos, e a profundidade que confere aos dilacerantes embates. Sob todos os pontos de vista, estamos diante de um dos melhores textos da atual temporada.

E antes que me esqueça, faço absoluta questão de dizer que julgo maravilhosa a ideia da autora de incluir na dramaturgia um fotógrafo, ainda que ele não pronuncie uma única palavra. E por que maravilhosa? Em primeiro lugar, porque Marilyn era uma imagem, venerada e invejada em todo o mundo. E depois porque, tiradas ao vivo e projetadas no espaço, as fotos contribuem decisivamente para reforçar todos os climas emocionais em jogo, pois quase sempre elas retratam momentos de grande aspereza, como que congelando-os no tempo, enquanto a cena prossegue. Ou seja: independente do que acontecerá em seguida, algumas marcas ficaram - visíveis para os espectadores, alojadas nas entranhas dos personagens.

Mas é óbvio que o que acaba de ser dito também tem muito a ver com a direção de Daniel Dantas, pois certamente ele teve ativa participação na escolha das fotos e na maneira como são projetadas. Isto posto, gostaria de manifestar minha total admiração pelo trabalho do encenador, não apenas no que se refere à dinâmica cênica - marcações expressivas, domínio dos tempos rítmicos, sensível exploração das passagens em que o silêncio predomina - como também por sua atuação junto ao elenco. 

Sendo Daniel Dantas um dos melhores atores deste país, em nada me surpreende que tenha conseguido extrair performances deslumbrantes de todo o elenco. Arrisco-me, inclusive, e sem a menor hesitação, em afirmar que Tainá Müller, Isio Ghelman, Felipe Rocha e Cristina Amadeu exibem aqui as melhores atuações de suas carreiras. E a todos agradeço a felicidade que me proporcionaram, que certamente será a mesma de todos que prestigiarem esta montagem imperdível.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Corja (sistema de vídeo), Marcelo Lipiani e Fernanda Vizeu (cenografia), Marcelo Olinto (figurino), Renato Machado (iluminação), Alexandre Pereira (direção musical), Dani Lima (direção de movimento) e Dayse Teixeira (visagismo).

OS DESAJUSTADOS - Texto de Luciana Pessanha. Direção de Daniel Dantas. Com Tainá Müller, Isio Ghelman, Felipe Rocha e Cristina Amadeo. Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h.






4 comentários:

  1. Puxa, Lionel, que alegria ler essas palavras vindas de você, que eu respeito tanto.
    Muito obrigada por esse olhar tão generoso para o nosso trabalho.

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  2. Olá tudo bem?

    Ontem assisti a estréia do filme Kardec então lhe vi na telona.
    Gostei muito de tudo !

    Cice Matos

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