quinta-feira, 9 de maio de 2019

Teatro/CRÍTICA

"DENTRO"


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Bela e sensível reflexão sobre o passado



Lionel Fischer


"Leonor acolhe o público na mesma sala de estar onde outrora suas antepassadas viveram, serve café aos espectadores e mostra a eles algumas fotografias das mulheres de sua família. Pouco a pouco, instaurando um clima de intimidade com os presentes, a protagonista inicia um mergulho em seu passado buscando compreender melhor a sua própria história. A peça apresenta uma reflexão sobre o vínculo - nem sempre visível - entre uma história pessoal e subjetiva e outra mais geral e objetiva, a história oficial dos fatos e acontecimentos culturais, sociais e políticos do Brasil".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e as premissas essenciais de "DENTRO", em cartaz no Teatro III do CCBB. O espetáculo, que comemora os dez anos de existência da companhia carioca Teatro Inominável, tem dramaturgia assinada por Diogo Liberano e direção a cargo de Natássia Vello, cabendo a atuação a Laura Nielsen. 

Sempre acreditei que, se nos recusamos a refletir sobre nosso próprio passado, estamos condenados a repeti-lo. Ou seja: se eu me recuso a pensar sobre o que eu fui, eu o serei sempre. Não sei se Diogo Liberano concorda com o que acabo de dizer, mas tenho a impressão que sim. 

No entanto, vai mais além, na medida em que a protagonista julga imprescindível, para chegar a um satisfatório entendimento sobre si mesma, empreender não apenas um profundo mergulho em sua memória, mas também nas histórias referentes às mulheres de sua família, abrangendo um total de 148 anos. Cabe também registrar que o referido mergulho não dissocia a história dessas mulheres do contexto sócio, político e cultural em que viveram, como explicitado no parágrafo inicial.

Sei que tratados já foram escritos - e por pessoas infinitamente mais capazes do que eu - sobre o passado e como ele pode ser distorcido e reinventado pela memória. Sendo tal assertiva verdadeira e exceção feita a fatos inquestionáveis, tudo o mais passaria por uma espécie de filtro seletivo, cujo objetivo seria o de, por um lado, valorizar ao máximo o que nos fez feliz, e, por outro, minimizar  (ou até deletar) o que nos fez sofrer. 

Seja como for, estamos diante de um belo texto que, em sua  essência, nos incita a ter coragem de formular perguntas para as quais nem sempre haveremos de ter respostas. E se por acaso tais lacunas nos gerem um estado de perplexidade e desamparo, creio que Diogo Liberano nos lembra que nenhum movimento de transformação se inicia quando temos a sensação (quase sempre enganosa) de que nossa vida corresponde exatamente àquela que idealizamos. 

Com relação ao espetáculo, Natássia Vello impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com os conteúdos em jogo. Na parte inicial, consegue estabelecer uma atmosfera próxima e acolhedora entre os espectadores e a protagonista. Mais adiante, à medida que o clima vai se tornando mais denso, explora com vigor e sensibilidade o potencial expressivo da bela cenografia de Elsa  Romero. E, finalmente, quando a personagem vive um momento de incontrolada fúria, consegue extrair de Laura Nielsen o máximo que o papel permite. E ouso afirmar, sem nenhuma hesitação, que a intérprete exibe aqui a melhor performance de sua carreira, evidenciando uma vez mais sua total capacidade de entrega e notável inteligência cênica.

No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as preciosas colaborações de Ticiana Passos (figurino), Livs Ataíde (iluminação) e Arthur Braganti e Letícia Novaes (direção musical).

DENTRO - Dramaturgia de Diogo Liberano. Direção de Natássia Vello. Atuação de Laura Nielsen. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h30. 

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