quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Eu, Mãe"

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Bela reflexão sobre o tempo e a maternidade



Lionel Fischer



"Criando uma espécie de peça-cápsula-do-tempo, a atriz encena e registra para suas duas filhas, por meio de uma câmera, todo seu assombro com a passagem do tempo e com a maternidade recente, para que elas assistam no futuro e compreendam como a mãe delas se sentia aos 43 anos de idade. Em diversos momentos da peça, a intérprete se dirige à câmera, como se conversasse com as filhas do outro lado da tela".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Eu, Mãe", de autoria de Cristina Fagundes, também responsável pela atuação. Em cartaz na Casa Rio, o espetáculo leva a assinatura de Alexandre Barros, Cristina Fagundes e Daniel Leuback.

"Eu quero que você, Nina, que hoje está com cinco anos, e que você, Bruna, que hoje está com três anos, possam, aí no futuro, me ver como eu sou hoje, no auge da saúde, da vitalidade. No auge da minha vida. E quero que assistam a essa gravação também quanto tiverem 43 anos de idade cada uma para que possamos por pelo menos uma vez na vida, num encontro único no tempo, ter a mesma idade. Eu queria ser amiga de vocês, ir caminhando junto com vocês, mas não posso, meu tempo é outro, eu vim primeiro. Então vamos fazer esse registro, está bem? Esta cápsula do tempo".

Esta fala, que consta do espetáculo, me tocou profundamente. E por diversas razões, sendo a principal a de que sempre desejei, como a autora, que o tempo me permitisse o impossível, ou seja, me encontrar com minhas duas filhas e meu filho quando tivéssemos a mesma idade. Como seria esse encontro? Talvez eu perguntasse: "E aí, amados? Eu fui um bom pai? Eu acolhi vocês nos momentos mais duros e com vocês brindei os mais alegres?". 

Caso a resposta fosse afirmativa - e acredito que seria - então talvez enchêssemos a cara e fôssemos os quatro dançar forró na Feira de São Cristóvão, como a autora fez inúmeras vezes, evidenciando notável habilidade - e aqui, sem falsa modéstia, gostaria de dizer que meus filhos e eu também somos forrozeiros deslumbrantes. Mas voltemos à peça.

Estamos diante de um texto cujo principal mérito reside na capacidade da autora de conferir poesia a fatos inerentes à maternidade que todos conhecem - a dor do parto, as horas de sono subtraídas, a perda (ao menos circunstancial) da antiga liberdade etc. -, assim como a outros que dizem respeito à passagem do tempo e às relações que estabelecemos com aqueles que nos precederam. Neste último quesito, achei particularmente tocante a passagem em que a atriz fala de sua mãe e de sua avó, deixando claro que ambas estão nela e sempre estarão, mesmo quando tiverem partido, posto que instaladas em seu coração. 

Com relação ao espetáculo, estruturado em uma chave hiper realista - toda a ação se passa na cozinha da Casa Rio e os objetos manipulados estão atrelados ao cotidiano -, nem por isso as soluções encontradas pela direção estão circunscritas ao previsível. Neste sentido, poderia destacar inúmeras passagens, mas opto por aquela que mais me encantou - a água transborda de um copo e se converte em chuva. 

No tocante a Cristina Fagundes, trata-se de uma excelente atriz, possuidora de vastos recursos expressivos e que sempre se entrega de forma visceral às personagens que interpreta. No presente caso, não interpreta ninguém, pois está em cena vivendo a si própria e nos contando sua história. E esta merece ser prestigiada por todos aqueles que, a exemplo da autora, conseguem enxergar a vida como uma verdadeira dádiva.

Na equipe técnica, parabenizo a todos com o mesmo entusiasmo - Fernanda Montovani (iluminação), Alice Cruz e Tuca Benvenutti (cenário e adereços), Flavia Espírito Santo (figurino) e Cristina Fagundes e Gui Stutz (trilha sonora)

EU, MÃE - Texto e atuação de Cristina Fagundes. Direção de Alexandre Barros, Cristina Fagundes e Daniel Leuback. Casa Rio. Quartas e quintas às 20h.  















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