quinta-feira, 24 de setembro de 2009

"Nunca há satisfação,
nunca há sucesso"

(Um dos dramaturgos mais controvertidos e badalados dos Estados Unidos, diretor de um grupo que atende pelo curioso nome de Teatro Histérico Ontológico, Richard Foreman concedeu a entrevista que se segue - aqui parcialmente reproduzida - a Elinor Fuchs no St. Mark's Theatre, em Nova York, em novembro de 1993. Essa entrevista está publicada na íntegra na revista Cadernos de Teatro nº 154, assim como a peça de Foreman "Minha cabeça era uma marreta", tradução de Fernanda Espíndola).

* * *

FUCHS - Com muita frequência, os palcos de suas peças são "cercados" por textos escritos, seja por jornais, pôsteres ou slogans colados no cenário, e isso acontece nas formas mais abstratas de escrita.

FOREMAN - Eu costumava dizer que queria que a experiência de assistir uma peça fosse como a experiência da leitura. Não tenho pensado muito nisso ultimamente. Mas sempre quis que o que estivesse diante dos espectadores tivesse o maior número de camadas possível. E ler instruções de vários tipos, referências a uma língua que estava se dissolvendo, era apenas uma tentativa - eu acho, apesar de eu não conceitualizar nada se estiver tendo idéias - de indicar que sempre se vê alguma coisa, vêem-se também todas as interpretações e frações de interpretação que foram herdadas. O uso de letras, alfabetos e roteiro sugere, para mim, todos os tipos de comentários que se sobrepõem às visões que as pessoas têm do mundo. Em Hotel China, em 1971, usei retroprojetores com comentários de Brecht na peça, mas não eram os comentários tipicamente brechtianos. Lembro que as pessoas liam estas 12 pequenas placas coloridas, que eram cobertas com um pedaço de pano, e por baixo deste havia uma pedra, revelada quando o pano era retirado. Quando isso acontecia, a tela se acendia e dizia algo para a platéia, como "Não preste atenção nas pedras, mas nas cores das mesas".

FUCHS - Você citou Brecht quando falava de "visão complexa". Isto está nas anotações de A ópera dos três vinténs, onde ele fala da "literalização do teatro". Ele tenta explicar por que está dando título às cenas. Ele tem uma visão de que pode criar rodapés para a peça, mas não sabe como e então exclama: "É necessário algum exercício de visão complexa!".

FOREMAN - À medida que envelheço, adoto com firmeza uma postura quase anti-brechtiana no sentido de que não quero esclarecer nada, não quero dar idéias. O que quero expressar e evocar continuamente nas pessoas é a sede de sentido, o desejo que nos impulsiona de que as coisas poderiam fazer sentido e de que haveria um sentido final. No qual, obviamente, não acredito. Acredito que todas as explicações são contingentes. E ser capaz de aceitar isso sem deixar de se interessar por idéias é meu principal objetivo.

FUCHS - Se temos sede de sentido, sem sentido, sem um sentido fixo, que tipo de entendimento devemos ter quando você usa uma combinação de palavras no palco, como nas caras dos personagens de Eddie Goes to Poetry City, nos quais lemos "Teoria Poética". Como tratamos estas palavras? Tratamos como objetos, como um tapete persa? Tratamos o sentido como objeto? Pergunto isso porque acho que não devemos atribuir sentido a "Teoria Poética".

FOREMAN - Sinceramente, não sei. Acho que sou fundamentalmente um artista cômico, apesar de não fazer a platéia rolar de rir. Então eu ridicularizo minhas próprias pretensões de ter uma teoria poética e, novamente, ridicularizo minha sede de ser poeta e de ter uma teoria, sabendo que, numa análise final, nada disso vai mudar o mundo, emocioná-lo ou mesmo ser percebido por ele. Mas esta é a minha sede.

FUCHS - Vejo camadas de anotações nos seus cenários que transformam-se gradativamente em esferas bastante misteriosas. Primeiro, palavras em inglês, às vezes lemas ocultos e finalmente uma penumbra de letras hebraicas. É então que começo a associá-lo à cabala. É claro que as letras hebraicas não estão lá apenas para serem alegorizadas pela platéia. As letras têm estado lá por quase o mesmo tempo que conheço seu trabalho. Pode dizer algo sobre elas sem que eu faça uma pergunta floreada?

FOREMAN - Na verdade, posso dizer muito pouco. Não entendo hebraico, então não sei que letras uso. Acho que só estou escolhendo decoração. Quando era jovem, odiava ir à sinagoga. Nunca fui "crismado". Jurei nunca mais entrar numa sinagoga, larguei tudo. Contudo, ainda me fascinavam alguns aspectos da literatura judaica, alguns autores. Eric Gutkind foi um cara que influenciou muito os Becks que fez com que eu me interessasse pelo judaísmo esotérico. É claro que Scholem também. Há ainda uma figura bastante esquisita, Carlo Suares, um escritor judeu místico que começou como discípulo de Krishna Murti, se não me engano. Eu me interessei por alguns de seus livros sobre o significado místico das letras hebraicas. Recentemente, comecei a me interessar por Levinas. Baseio minhas escolhas em todas essas fontes, que são essencialmente literatos ocidentais, não verdadeiros "judeus"...

FUCHS - Então as letras estão lá como uma espécie de metáfora não atribuída e não como uma reflexão literal de um interesse pelo judaísmo.

FOREMAN - Eu simplesmente odiava a sinagoga, mas acho que escrevo a partir das minhas raízes de infância. Percebi que, nos cenários de minhas peças, acabo retornando obsessivamente a uma área entre paredes. De início, pensei que fossem cercadinhos de criança, recordações da infância. Agora, porém, acho que estas áreas sugerem a sinagoga, onde existe uma pequena área cercada para a leitura do Torá. Frequentemente, quando estou frustrado e não sei o que fazer com o cenário, dou uma olhada em fotos de sinagogas antigas e pego algumas idéias arquiteturais desse local de culto e ritual dominado pelo Livro, quer dizer, pela leitura.


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