terça-feira, 8 de setembro de 2009

O vocabulário crítico

Martin Esslin


Quando se fala a respeito de qualquer assunto, não se pode prescindir de um vocabulário especializado de termos e conceitos. E em se tratando de drama, tal necssidade torna-se mais verdadeira do que nunca, por tratar-se de uma forma de arte extremamente complexa. Entretanto, é preciso que tenhamos sempre em mente que termos como clássico, romântico, expressionista, brechtiano ou absurdo foram criados para atender objetivos específicos. Seu valor reside em sua capacidade de transmitir impressões gerais, sem que denotem conceitos e categorias rigidamente definidos e passíveis de serem mantidos separados e lacrados em compartimentos estanques.

A grosso modo, existem duas espécies diferentes de termos críticos: os que foram deliberadamente criados como recursos programáticos ou como rótulos ou lemas de grupos ou escolas de dramaturgos ou artistas, e aqueles que são meramente descritivos e originam-se de uma necessidade de impor alguma ordem a uma série de características já existentes. Tais termos descritivos são criados post factum por críticos ou estudiosos que são obrigados a ensinar a história de alguma forma de arte; é bem possível que os artistas propriamente ditos jamais tenham tido sequer a idéia da existência dos mesmos, assim como o Monsieur Jourdain de Molière fica orgulhosíssimo ao descobrir que havia falado em prosa durante toda a sua vida, sem que tivesse consciência disso.

Existe ainda um outro par de termos críticos a respeito dos quais tem havido grande confusão: realismo e naturalismo. Realismo é um termo descritivo inventado pelos críticos, enquanto que naturalismo foi o lema programático de uma escola. Em meados do século XIX, certos dramaturgos reagiram contra o altissonante drama poético dos românticos, tendo surgido uma nova tendência para se escrever em prosa a respeito da vida cotidiana. Podemos encontrar tal tendência na primeira parte da carreira de Ibsen, que começou escrevendo comédias românticas e extensos dramas épicos (como Peer Gynt e Brand), porém mais tarde voltou-se para temas sociais tratados em prosa.

O naturalismo, por outro lado, foi um movimento iniciado por Émile Zola, com um programa de ação claramente definido, ou seja, a aplicação do novo espírito positivista e científico de sua época à literatura. Zola não desejava apenas uma representação realista da vida cotidiana, ele recusava a idéia que permeava os teatros clássico, romântico e até mesmo realista de seu tempo, de que a arte tinha de lutar para mostrar o belo, o heróico, o que enleva e inspira. Zola queria que o artista desnudasse a verdade a respeito da sociedade com o mesmo espírito de pesquisa objetiva com que o cientista encara sua investigação da natureza. Foi nesse espírito que Ibsen apresentou em Espectros um assunto até então tabu para os palcos, o das doenças venéreas, causando tremendo escândalo.
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O presente artigo, aqui muito reduzido, foi extraído do livro Uma anatomia do drama (Zahar Editores/1976, tradução de Barbara Heliodora). A redução do artigo se deve à nossa intenção de priorizar, digamos, os esclarecimentos do autor no tocante às diferenças entre realismo e naturalismo. Mas tais esclarecimentos serão apreendidos, evidentemente, com maior profundidade com a leitura completa do artigo, que ainda inclui pertinentes considerações sobre o simbolismo, o expressionismo e o teatro épico de Brecht. Aliás, Uma anatomia do drama é leitura obrigatória para todos os estudantes de teatro e também para os que já não profissionais que, por razões misteriosas, não o tenham lido.

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