domingo, 24 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Hamlet"

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Obra-prima em ótima versão



Lionel Fischer



Como se sabe, qualquer encenação de "Hamlet" sempre gera muitas expectativas, dentre elas as seguintes: a montagem será de época ou atualizada? A tradução tentará se manter a mais próxima do original? E, finalmente, a indagação crucial, não raro impregnada de uma curiosidade que não dispensa uma certa perversão: o ator que fará o protagonista estará à altura dos imensos desafios inerentes ao fantástico e controverso personagem?

Popularíssimo em sua época, admirado não apenas pelas elites, mas também pelo homem comum, com o passar do tempo as obras do fabuloso bardo (especialmente suas tragédias) foram progressivamente encaminhadas para as gavetas da erudição, cabendo aos supostos sábios determinar a maior ou menor validade das encenações, sempre tendo como parâmetro uma hipotécica fidelidade ao fazer teatral da época (valendo-se de meras referências)ou sintonia com suas próprias expectativas. 

Seja como for, o que realmente importa é que o público carioca tem agora mais uma portunidade de entrar em contato com esta obra sublime, levada à cena com extrema dignidade e competência. Em cartaz no Espaço Tom Jobim, "Hamlet" tem concepção e direção assinadas por Ron Daniels, estando o elenco formado por Thiago Lacerda, Antonio Petrin, Eduardo Semerjian, Selma Egrei, Roney Facchini, Anna Guilhermina, Marcos Suchara, Rafael Losso, Chico Carvalho, Ricardo Nash, Everson Romito, André Hendges, Romério Romera, Fernando Azambuja e Marcelo Lapuente.

Por tratar-se de obra por demais conhecida, não julgo necessário reproduzir seu enredo e tampouco me deter em considerações sobre os incontáveis méritos de uma peça sublime, como já dito, e que abarca as mais relevantes questões inerentes ao homem. Passemos, pois, ao espetáculo, ambientado nos tempos atuais (opção tão válida quanto qualquer outra), estruturado a partir de tradução a cargo do diretor, em parceria com Marcos Daud.

É bem provável que puristas de plantão torçam seus nem sempre graciosos narizes, já que provavelmente haverão de considerar um sacrilégio não priorizar as regras do verso "pentâmetro iâmbico", utlilizado não apenas por Shakespeare, mas por todos os escritores da época. Mas será que constitui mortal pecado buscar uma tradução que, sem abdicar da poesia, permita à plateia comparecer ao teatro sem portar dicionários? Em minha opinião, a presente tradução não  desvirtua a essência do original, e sim o torna mais acessível a uma vasta gama de espectadores, independentemente de sua cultura ou familiaridade com a obra.

Impondo à cena uma dinâmica despojada, criativa e ousada - o célebre monólogo "Ser ou não Ser", por exemplo, é dito sobre uma cama, o que imagino que levará ao leito, prostrados e perplexos, os que supõem saber exatamente como e onde deve ser proferito o dito monólogo -, o diretor Ron Daniels exibe o mérito suplementar de haver extraído, de uma maneira geral, ótimas atuações do elenco. A começar pela de Thiago Lacerda, que vive o protagonista.

Por tratar-se de um dos mais complexos e ricos personagens já escritos, é óbvio que Hamlet pode ser feito de infinitas maneiras. Mas o que aqui cabe ressaltar é que Thiago Lacerda consegue valorizar, com sua forte presença cênica e notável sensibilidade, as principais características do personagem, tanto as mais trágicas como as mais engraçadas - ou será que, em pleno século XXI, ainda exista alguém que negue o humor de Hamlet? Sem dúvida, e sob todos os aspectos, uma das melhores performances da atual temporada - cumpre registrar que a montagem, vinda de São Paulo, foi recebida com grande entusiasmo, tanto pelo público como pela crítica, assim como a atuação de Thiago Lacerda.

Antonio Petrin (Fantasma e Primeiro Ator) está mais convincente na pele deste último, em especial quando, incitado por Hamlet, profere um grande monólogo. Eduardo Semerjian exibe ótimo desempenho na pele de Cláudio, rei da Dinamarca, o mesmo aplicando-se a Selma Egrei, que vive Gertrudes, mãe de Hamlet e esposa de Claudio - a atriz está particularmente bem a partir do momento em que a culpa começa a privá-la de sua lucidez.

Roney Facchini constrói um Polônio delicioso, arrancando muitas e apropriadas gargalhadas da plateia pela forma com que expõe a verborragia e tolice do personagem, exibindo o mesmo talento ao dar vida ao Primeiro Coveiro. Vivendo Ofélia, Anna Guilhermina, em suas primeiras cenas, talvez possa proferir o texto de forma, digamos, menos preciosista e mais apaixonada; mas a partir do momento em que a personagem começa a enlouquecer, a atriz está irrepreensível.   

Quanto a Marcos Suchara (Laertes), Rafael Losso (Horácio), Chico Carvalho (Rosencrantz), Ricardo Nash (Guildenstern), Everson Romito (Osric e Segundo Ator), André Hendges (Fortinbras), Rogério Romera (Capitão), Fernando Azambuja (Reinaldo e Segundo Coveiro) e Marcelo Lapuente (Bernardo, Padre e Terceiro Ator), todos exibem segurança e perfeita compreensão dos personagens que interpretam.

Na equipe técnica, considero de ótimo nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - André Cortez (cenografia), Cássio Brasil (figurinos), Domingos Quintiliano (iluminação), Aline Meyer (sonoplastia), Babaya (preparação vocal) e Ricardo Risso (luta cênica).

HAMLET - Texto de Shakespeare. Direção de Ron Daniels. Com Thiago Lacerda, Antonio Petrin, Eduardo Semerjian, Selma Egrei, Roney Facchini, Anna Guilhermina e grande elenco. Espaço Tom Jobim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.



  






    



  

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