segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Moi Lui"

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Permanente e inalcançada busca


Lionel Fischer



Novelista e autor dramático irlandês, Samuel Beckett (1906-1989) é considerado um dos grandes autores do Teatro do Absurdo. Radicou-se na França em 1937 e conquistou renome mundial com "Esperando Godot", que estreou em Paris em 1953, em montagem assinada por Roger Blin. Alguns de seus principais temas - falta de comunicação entre os indivíduos, perda de identidade, investigação obsessiva da linguagem - também estão presentes em duas de suas peças mais renomadas, "Fim de Jogo" e "Dias Felizes", assim como na maioria de seus contos, novelas e romances.

No presente caso, estamos diante de um texto baseado na novela "Molloy", parte da trilogia composta por "Malone Meurt" e "L'innommable". Com concepção, direção e dramaturgia assinadas por Isabel Cavalcanti, "Moi Lui" está em cartaz no Teatro Poeirinha, sendo Ana Kfouri a única intérprete.

Como li o original há muito tempo, não sei avaliar o quanto dele se apropriou Isabel Cavalcanti. Mas me recordo da mais forte sensação que tive ao ler "Molloy", que é basicamente a mesma que o presente texto me despertou: a de uma permanente busca, jamais alcançada.

Molloy procura a mãe e só encontra um lugar vazio. Já Moran procura por Molloy e nunca o encontra, talvez pelo fato de serem ambos a mesma pessoa. E partindo-se da premissa de que Isabel Cavalcanti criou seu texto tendo como referência a novela de Beckett, é possível que o principal tema em questão seja a impossibilidade de chegarmos até o outro, já que pouco ou nada sabemos a nosso próprio respeito.

Outra forte sensação que o texto desperta (e aqui me atenho apenas à obra encenada) é a total impossibilidade de se ter absoluta certeza, seja sobre o que for. A cada frase formulada, a seguinte a desmente - ou ao menos a questiona. Assim, a narrativa é toda centrada na dúvida, o que torna legítima a suposição de que tudo pode ou não estar acontecendo, ou mesmo ter acontecido em uma época remota.

Quanto ao espetáculo, Isabel Cavalcanti impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. E isso desde o início. Na cena inicial, por exemplo, o personagem está sentado. Estará dormindo, acossado por pesadelos, já que seu corpo troca seguidamente de posição? Estará pensando e seriam então seus pensamentos que o inquietam fisicamente? Jamais saberemos, evidentemente, posto que se o soubéssemos com exatidão a obra não faria o menor sentido.

E ao longo de toda a encenação as dúvidas nos perseguem. Mas isto não significa, em absoluto, que não tenhamos acesso a determinados significados, ainda que estes possam (e devam) ser apreendidos de forma diferente por cada espectador. Ainda assim, torna-se literalmente impossível que alguém não se sinta impactado pelos silêncios, pela relação que o protagonista estabelece com o espaço e com os objetos, pela maneira com que articula o texto, ora lentamente, ora de forma muito acelerada. E aqui chego à interpretação de Ana Kfouri.

Dotada de vastíssimos recursos e de uma integridade artística que jamais a conduziu por caminhos capazes de levá-la a obter um sucesso superficial, aqui Ana Kfouri exibe uma das melhores performances de sua carreira. Possuidora de ótima voz e de um corpo trabalhado a ponto de permitir que se torne, por assim dizer, uma massa expressiva, a atriz também impressiona por sua notável capacidade de entrega e pela inteligência de suas escolhas. Sem dúvida, um dos trabalhos mais instigantes da atual temporada.

Na equipe técnica, Rui Cortez responde por impecável direção de arte - a cenografia traduz de forma irrepreensível o desolado universo habitado pelo personagem, sendo o figurino apropriadamente atemporal e trágico. Também de excelente nível a iluminação de Tomás Ribas, invariavelmente soturna e opressiva, o mesmo aplicando-se à trilha sonora de Tato Taborda.  

MOI LUI - Direção, concepção e dramaturgia de Isabel Cavalcanti. Com Ana Kfouri. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.











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