quinta-feira, 18 de abril de 2013

Madame Bovary


por Ana Carolina Marques


           Primeira obra de Gustave Flaubert (1821-80), Madame Bovary é publicada na França em 12 de abril de 1857. Na verdade, a história já havia sido publicada em série na revista literária La Revue de Paris durante dois meses e meio do ano anterior, mas a obra foi criticada por ofender a moral pública. O julgamento a fez mais conhecida e, depois que Flaubert foi absolvido, tornou-se bestseller a partir do volume único lançado.

          A acusação é compreensível: justamente por estar inserido na corrente literária do realismo, Flaubert escancara a realidade do século XIX e desafia as convenções sociais, além de ironizar os romances sentimentais e folhetins, que considerava obsoletos. Emma Bovary, a protagonista, se vê encarcerada em um casamento infeliz com Charles, um médico de personalidade fraca, e em uma vida vazia e insípida do interior francês. A obscenidade vem quando Emma passa a manter casos amorosos com homens de “gostos mais refinados” e que alcançassem suas expectativas românticas.

          O traço que fez da obra uma das mais clássicas da literatura não é a história, bem simples, mas os detalhes, uma vez que Flaubert era perfeccionista e sempre procurava “a palavra precisa” (“le mot juste”). Não é à toa que levou cinco anos para terminar o livro: uma vez escreveu que “Uma boa frase em prosa deve ser como um bom verso na poesia, imutável”.

          E as críticas são implícitas. O amor é desiludido; a própria Emma, no começo, é uma jovem educada em conventos que sonha com o luxo dos romances que lia, mas que repetidamente considera sua vida enfadonha. Deixa de se relacionar com o charmoso Léon por medo e vergonha e se vangloria dessa ética. Mas com Rodolphe é diferente e a fantasia romântica floresce - até ser destruída com uma carta apologética entregue em uma cesta de pêssegos. E se envolve em mais um caso, até ser consumida por suas próprias inconsequências financeiras. Arsênico dá o tom melancólico para o fim da história e mesmo Charles não dá aquela reviravolta de finais felizes típicos.

          “Leitores não podem gostar de Emma, mas ainda assim acompanham-na com a atenção que dariam para acidentes de carro. Como pode uma mulher cobiçosa e medíocre, incapaz de amar e (como não sente conexão por ninguém) terminantemente entediada com sua vida, nos fascinar enquanto sucumbe a um impulso venenoso atrás de outro?”, escreve Kathryn Harrison em resenha para New York Times.

          A comparação com outra heroína trágica e adúltera da literatura, Anna Karenina, de Léon Tolstói, também é feita por Kathryn. Diferente de Anna, porém, “Emma nos força a confrontar a capacidade humana para nosso existencial, e assim insaciável, vazio. Fatalmente absorvida em si própria, insensível ao sofrimento dos outros, Emma não consegue ver além dos estereótipos românticos aos quais serve, eternamente desejando o que ela espera ser felicidade”.

          Em um tempo de mulheres submissas, Flaubert mostra que o prazer sexual – por vezes obstinado, por vezes irresponsável - não é restrito a homens. Desmoraliza a burguesia e expõe sua banalidade. O próprio autor, ainda criança, declarou-se “enojado com a vida” e cheio de desprezo pelo mundo burguês. Não lamentou quando uma doença nervosa o fez desistir da faculdade de Direito em Paris e o forçou a viver com a mãe viúva perto de onde havia nascido, na vila de Rouen. A partir de então, vive de rendas e da escrita.

            Madame Bovary foi praticamente a única obra do autor a alcançar o sucesso. Seu romance exótico Salambô (1862) foi criticado pelo excesso de detalhes arqueológicos, A educação sentimental (1869), não foi bem recebido pela crítica, e a peça política O candidato (1874) fracassou completamente. Somente quando já estava fraco de saúde e de bolso é que outro texto, Três contos (1877), chegou a ficar famoso. Sua reputação cresceu postumamente, reforçadas pela publicação do cômico e inacabado Bouvard e Pécuchet (1881) e pelos muitos volumes notáveis de sua correspondência.

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