Teatro/CRÍTICA
"O homem com a flor na boca"
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Vírus feito de urgência e inquietação
Lionel Fischer
Autor dramático e novelista italiano, Luigi Pirandello (1867-1936) é considerado um dos expoentes do teatro moderno, herdeiro do teatro analítico de Ibsen, precursor do teatro existencialista e do Teatro do Absurdo. Suas principais obras giram em torno dos mesmos temas, dentre eles a impossibilidade de se escapar ao próprio eu, o problema da identidade e da aparência. Deixou uma obra extraordinária, com títulos como "Seis personagens à procura de um autor", "Assim é, se lhe parece", "Henrique IV", "Esta noite se improvisa", "Vestir os nus" e "Os gigantes da montanha", sua última peça, incompleta.
Mas o presente espetáculo, "O homem com a flor na boca", parte da novela homônima, sendo que aqui os dois personagens que constam do original foram reduzidos a um único, sendo o outro convertido no público. Tal opção, como se verá em seguida, contribui para tornar ainda mais incisivas as questões propostas na adaptação habitual que se faz da novela.
Um dos vértices da Trilogia Pirandello (as outras montagens são "A poltrona escura" e "Umnenhumcem mil"), "O homem com a flor na boca" chega à cena (Mezanino do Espaço Sesc) com direção de Roberto Bacci, dramaturgia de Stefano Geraci e interpretação de Cacá Carvalho, também responsável pela ótima tradução.
Como já dito, a opção de suprimir o personagem que praticamente se limita a ouvir as considerações do protagonista tornou-as ainda mais contundentes, pois renuncia a uma relação específica com um burguês passivo e inexpressivo e confere ao público os mesmos predicados a ele inerentes. Ou seja: salvo engano de minha parte, é como se a presente adaptação pretendesse demonstrar que todos nós, ainda que em graus variados, encarássemos a existência inteiramente alheios à grandeza das pequenas coisas, escravos da monotonia e, em especial, fazendo absoluta questão de não levar em conta a finitude e a efemeridade da vida.
Mas o protagonista sabe que vai morrer em breve e a consciência deste fato inexorável o leva a conferir extremo valor a coisas que até então desprezara, por considerá-las meramente ridículas ou de interesse exclusivo do universo burguês. E talvez aqui resida a questão fundamental do texto: a total urgência de se aproveitar cada instante como se fosse o último, renovando permanentemente o encanto perante esta dádiva que é o ato de viver.
Com relação ao espetáculo, este se estrutura a partir da instigante cenografia criada por Márcio Medina - cadeiras espalhadas sugerindo uma estação de trem. E toda estação de trem, como sabemos, só possui duas possibilidades: pessoas vão partir ou estão à espera de outras que vão chegar. Mas como, no presente caso, ninguém embarca ou desembarca, fica-se com a sensação de que ninguém sabe exatamente o que fazer de suas vidas, sendo a imobilidade a tônica. E então o protagonista a todos se dirige, como se pretendesse não apenas contar sua história, mas ali disseminar uma espécie de vírus, não mortal como aquele que o atingiu: um vírus composto de urgência e inquietação. Caberá à plateia, portanto, se deixar contaminar ou não...
Impondo à cena uma dinâmica ousada, criativa e permanentemente inquietante, o diretor Roberto Bacci constrói uma circunstância cênica ao mesmo tempo divertida e aterradora, cabendo destacar a notável variedade rítmica que impõe à montagem. Afora isto, extrai de Cacá Carvalho uma atuação absolutamente deslumbrante.
Sem nenhuma hesitação, ouso afirmar que Cacá Carvalho pertence ao seletíssimo rol dos atores de exceção. E não apenas em função de seus extraordinários recursos expressivos, mas também graças à impressão que sempre me provoca de que suas performances nascem de suas entranhas, de seu coração; que antes de dar forma a um gesto ou a um tom de voz, vasculha por completo sua alma, seus recantos mais obscuros, em busca de uma possível luz que só pode nascer das trevas. E talvez por não ter medo de si mesmo, de investigar a si mesmo de forma implacável, talvez por isso, quando está em cena, Cacá Carvalho sempre enobrece a sagrada arte de interpretar. Assim, só me resta desejar aos sempre caprichosos deuses do teatro que continuem abençoando sua notável trajetória artística.
No complemento da equipe técnica, excelente a dramaturgia de Stefano Geraci, a mesma excelência presente no figurino de Márcio Medina e na expressiva iluminação de Fábio Retti, que de forma sutil consegue valorizar todos os climas emocionais em jogo.
O HOMEM COM A FLOR NA BOCA - Baseado na novela homônima de Pirandello. Dramaturgia de Stefano Geraci. Direção de Roberto Bacci. Interpretação de Cacá Carvalho. Mezanino do Espaço Sesc. Quinta, 21h.
sexta-feira, 5 de abril de 2013
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