Galpão, 30 anos
Grupo mineiro, com origem no teatro popular e de
rua, chega à maturidade com o mérito de ter levado a arte dramática – com
originalidade e alegria.
TEATRO
POR WILSON RENATO PEREIRA |
·
Novembro
de 1982. O Grupo Galpão fazia sua estreia oficial em plena praça pública, mais
precisamente na Praça 7, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O espetáculo E
a Noiva não quer Casar era fruto da criação e direção conjunta do
grupo. Hoje, depois de quase 30 anos e com 2.500 apresentações na bagagem, a
companhia ainda mantém intacto o espírito dos tempos heróicos em que foi
criada. O segredo da longevidade é um projeto coletivo com base no amor ao
teatro e dedicação ao público.
Com um
baú contendo vestido de noiva, cartola, fraque e pernas de pau, o grupo – então
composto apenas por Eduardo Moreira, Teuda Bara, Wanda Fernandes e Antônio
Edson – começou com apresentações em festivais universitários. Depois, testou
em esquinas, praças e bairros da periferia os resultados da pesquisa com
elementos cênicos e linguagens de circo, música, farsa e melodrama. Tudo isso
utilizando dramaturgia simples e o humor para o entendimento das suas
mensagens.
Com a
convicção de que o teatro deve ter uma comunicação fácil e “ir aonde o povo
está”, como na música dos seus conterrâneos Milton Nascimento e Fernando Brant,
os integrantes do Galpão resolveram viver só do teatro popular, o que incluía,
muitas vezes, passar chapéu para recolher dinheiro. A manutenção de um grupo
fixo, outra importante decisão, representou a possibilidade de um porto seguro:
todos se ajudavam e discutiam alternativas de sobrevivência.
O
espetáculo que trouxe fama nacional e internacional ao grupo foi Romeu
e Julieta, de William Shakespeare, com direção de Gabriel Villela. Lançada
em 1992, recebeu o Prêmio Shell e o prêmio especial do júri do Festival de
Teatro de Curitiba, em reconhecimento à transformação de um drama clássico em
uma divertida comédia adaptada para a cultura brasileira. O espetáculo
misturava o cancioneiro popular mineiro com técnicas de teatro de rua. Os
figurinos eram cobertos de cal colorida, os instrumentos, enfeitados com
apliques multicores, assim como o cenário de sombrinhas e vasos de flores
artificiais, tudo feito à mão.
Planejada
para apresentação ao ar livre, a peça foi ensaiada na praça principal de Morro
Vermelho, cidade do interior mineiro, com participação ativa da população. O
elemento principal da cenografia era um Chevrolet Veraneio 1974 (a
“Esmeralda”), que servia de palco, coxia, cenário e meio de transporte da trupe
e seus equipamentos. Com a camionete, foram percorridos mais de 50 mil km – nas
montagens internacionais, ela foi substituída por modelos locais.
As
comédias do Galpão quase sempre foram entrecortadas por passagens divertidas
também na vida pessoal dos artistas, envolvendo filhos “esquecidos” em paradas
à beira de estrada, invasão de palco com criança pedindo à mãe-atriz para
amarrar seus sapatos e muito mais que se pode imaginar do cotidiano inusitado
de famílias mambembes.
Um
exemplo disso ocorreu após a estreia da montagem da commedia dell’arte
Arlequim Servidor de Tantos Amores (1985), de Carlo Goldoni –
considerada pela crítica longa e confusa -, quando a mãe do ator Chico Pelúcio
foi parabenizá-lo:
-
Maravilha, meu filho! – disse ela.
- Como
maravilha, mãe? Todo mundo viu que o espetáculo foi horrível! – respondeu.
- Mas
adorei, porque agora ficou provado que você não tem o menor talento e deveria
desistir logo desse negócio de teatro! – sentenciou aliviada a senhora, que,
hoje, segundo Pelúcio, nega veementemente que tenha dito isso. Verdade ou não,
é possível que o ator tenha seguido o conselho, pois abandonou o grupo em
seguida e só voltou dois anos depois.
Como
conseqüência da experiência fracassada, o Galpão entrou em crise, retornando à
sua formação inicial após a saída de vários integrantes. Os que ficaram,
resolveram dar um tempo para pensar em como prosseguir o trabalho. Uma das
decisões foi a participação de diretores externos, cabendo ao primeiro deles,
Ulysses Cruz, dar um novo rumo ao grupo.
Para
piorar, um dos pilares do Galpão, a atriz Wanda Fernandes, morreu em um
acidente de carro, em 1994. A companhia quase acabou, mas voltou à estrada
graças aos esforços do diretor Gabriel Villela em uma remontagem de Romeu
e Julieta, com Fernanda Vianna no lugar de Wanda. A partir de então, o
grupo passou a contar com a formação de 13 membros, que mantém até hoje:
Eduardo Moreira, Chico Pelúcio, Antônio Edson, Teuda Bara, Fernanda Vianna,
Beto Franco, Inês Peixoto, Lydia del Picchia, Rodolfo Vaz, Júlio Maciel, Arildo
de Barros, Simone Ordones e Paulo André.
Entre os
diretores externos, foi com Paulo José que o Galpão teve uma de suas mais
marcantes experiências. Com ele, foram realizadas as montagens de O
Inspetor Geral, de Nicolai Gogol, e Um Homem é um Homem, de
Bertolt Brecht. Mas a principal contribuição foi o aprendizado sintetizado na
afirmativa de que “uma palavra mal colocada entope uma frase e um
pensamento”, que mostra a necessidade do cuidado e apuro que dramaturgos e
atores devem ter com textos e falas. Foi um conhecimento que levou o grupo a
uma direção completamente diferente da qual vinha trabalhando. Se isso serviu
para levar a competência do grupo das ruas para as salas, por outro lado
reduziu os convites vindos de outros países, cujas plateias sempre demonstraram
preferir o forte apelo de brasilidade, das alegorias e da musicalidade de peças
pensadas para apresentação ao ar livre.
A nova
trilha seguida pelo Galpão mescla obras clássicas com outras de lavra própria,
mostra comédias, dramas, críticas políticas e sociais, espetáculos de rua e em
palcos fechados. Hoje, estão em seu repertório as peças Pequenos Milagres,
dirigida por Paulo de Moraes; Till, a Saga de um Herói Torto, com
direção de Júlio Maciel; Um Homem é um Homem, dirigida por Paulo
José; e a recente Tio Vânia (aos que vierem depois de nós),
direção de Yara de Novaes.
O PhD,
pedagogo, dramaturgo e diretor russo Jurij Alschitz, autor de treinamento
psicofísico aplicado à autopreparação de atores, e sua assistente Olga Lapina,
especialista em técnicas vocais, estão à frente do novo espetáculo Eclipse,
o segundo do projeto Viagem a Tchekhov, previsto para estrear neste mês. Essa
experiência vai além do trabalho de direção, incluindo laboratórios e estudos
que Alschitz realiza com o pessoal do Galpão por meio do teatro psicológico do
autor russo, abrindo novas possibilidades de atuação para atores que se
notabilizaram principalmente pelas comédias de rua. “Usando com sabedoria e
sensibilidade o espaço público e a linguagem acessível a todas as camadas da
população, o Galpão sempre teve em seu DNA a ideia de levar o teatro ao
encontro do maior número possível de pessoas”, diz Pelúcio, que também é
diretor-geral do Galpão Cine Horto, antigo cinema da periferia de BH
transformado em local de integração com a comunidade.
É no
Galpão Cine Horto que a história, as origens e os sonhos do Grupo Galpão se
tornam perenes por meio da formação, reciclagem e pesquisa para quem tem
interesse em teatro, além de intercâmbio com entidades artísticas de diversas
partes do Brasil e do mundo. Atualmente, estão sendo executados 17 projetos,
entre eles o Conexão Galpão, de caráter educacional, que visa aproximar o
teatro de dez mil crianças.
Lá está o Centro de Pesquisa e
Memória do Teatro (CPMT), que disponibiliza gratuitamente um acervo
bibliográfico, audiovisual e iconográfico de cinco mil títulos. O CPMT também
mantém um selo editorial para publicação de livros de dramaturgia e o portal
www.primeirosinal.com.br. O próximo projeto do Grupo Galpão é a construção da
nova sede, em Belo Horizonte. Um espaço cultural sustentável que permitirá a
ampliação das ações desenvolvidas pelo Galpão Cine Horto.
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Artigo escrito em 2012, quando o Galpão completou 30 anos de existência
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