Teatro/CRÍTICA
"Garagem"
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Texto excessivo minimiza ótima proposta
Lionel Fischer
"A peça conta a história de Juan, um advogado que perde tudo e se vê despejado, recém separado da esposa e seus dois filhos, sem lugar para morar, quando entre recibos antigos e certidões encontra uma escritura de uma vaga de garagem que adquiriu de uma senhora, sua vizinha, quando ainda tinha dois carros. Não pensa duas vezes. Recolhe os móveis que ficaram da mobília do quarto da empregada e se muda para lá".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Garagem", em cartaz no estacionamento G3 do Shopping Rio Sul. Gustavo Paso assina o texto e a direção, estando o elenco formado por Gustavo Falcão, Luciana Fávero, Eduardo Tornaghi, Luis Carlos Mièle, André Poyart, Nina Morena, Thalita Vaz, Thalita Lippi, Antonio Ysmael, Cecília Lage, Daí Bonfim, Dody, Eléa Mercúrio, Ericka Bayert, Felipe Miguel, Jaime Berenguer e Letícia Lobo.
Não resta dúvida de que Gustavo Paso teve uma excelente ideia ao centrar a ação numa garagem. No presente caso, por tratar-se efetivamente de uma garagem real, o que confere ao contexto um caráter ao mesmo tempo naturalista e inusitado. Mas o maior impacto fica por conta do simbolismo da escolha. Não se "mora" numa garagem. Se temos carro, evidentemente, por ela passamos para sair ou quando retornamos. Mas o protagonista vive ali e defende seu direito de ali permanecer, mesmo enfrentando a sarcástica oposição do síndico e a revolta de sua ex-mulher. Em contrapartida, conta com a simpatia dos moradores, com os quais estabelece relações divertidas e fraternas.
Estamos, portanto, diante de uma situação que, dentre muitas leituras possíveis, pode ser encarada como um ato de resistência de um homem arruinado, ex-alcoólatra, mas que ainda assim recusa-se a entregar os pontos e luta desesperadamente para fazer prevalecer os direitos que julga possuir. E se por um lado não enxerga um futuro promissor, por outro luta ferozmente por seu presente.
Como já dito, trata-se de uma excelente ideia. Mas esta acaba um tanto prejudicada por um texto excessivo e um excessivo número de personagens, muitos dos quais meramente episódicos e que em nada contribuem para um possível aprofundamento do tema central, que, em minha opinião, é a luta de um homem contra o sistema - afora outros temas também importantes, como o amor, a solidão, a ausência de perspectivas etc. Se ao invés de duas horas o espetáculo tivesse uns 30 minutos a menos, certamente seu impacto haveria de ser bem maior.
Ainda assim, "Garagem" possui passagens interessantes, alguns diálogos e personagens bem construídos e o espetáculo trabalha muito bem uma atmosfera que gera no espectador um apropriado clima de permanente ansiedade. Esta se deve, fundamentalmente, à total impossibilidade de se saber para onde irá a trama, que imprevistos podem acontecer, se a situação básica acabará mudando ou não e assim por diante.
Com relação ao elenco, torna-se literalmente impossível analisar todas as performances. Ainda assim, gostaria de destacar as atuações seguras e convincentes dos que defendem os papéis mais relevantes - Gustavo Falcão (Juan), Nina Morena (Lara, jovem alcoólatra), Luciana Fávero (Rosa, ex-mulher de Juan) e Eduardo Tornaghi (Sr. Avila, síndico do prédio). Quanto aos demais, todos extraem de seus personagens o melhor que eles permitem.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta curiosa e pertinente empreitada teatral - Teca Fichinski (figurinos), Fichinski e Paso (cenografia), Paulo Cesar Medeiros (iluminação) e Felipe Miguel e André Poyart (trilha sonora).
GARAGEM - Texto e direção de Gustavo Paso. Com Gustavo Falcão, Luciana Fávero e grande elenco. Estacionamento G3 do Shopping Rio Sul. Quarta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
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