Um novo porto seguro para
o Théâtre du Soleil
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Em visita ao Rio, a diretora do Théâtre du Soleil, Ariane Mnouchkine
inicia parceria com o Armazém da Utopia que servirá de base a atividades do
grupo na cidade
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Publicado:22/07/13
Ariane
RIO — Assim que pôs os pés no Armazém da Utopia, o galpão de número 6
localizado na Zona Portuária do Rio, Ariane Mnouchkine passou um bom tempo em
silêncio, observando o lugar e antevendo suas possibilidades de ação ali. A
amplidão do espaço, o pé direito alto e a estrutura arquitetônica fabril não
poderiam deixar de remeter à Cartoucherie, antiga fábrica de armamentos
parisiense que, desde 1970, se tornou a sede oficial do Théâtre du Soleil. A
convite de Luiz Fernando Lôbo, diretor da Cia. Ensaio Aberto, que ocupa há dois
anos e meio o Armazém, Ariane esteve ali na última quinta-feira para
estabelecer o início de uma futura parceria entre as duas companhias.
O que ambos planejam é transformar o Armazém da Utopia numa espécie de
casa extraoficial do Soleil na cidade. Ao lado da produtora Maria Júlia,
responsável pelas duas últimas encenações da companhia no país — “Les
éphémères” (2008) e “Os náufragos do Louca Esperança” (2011), que gerou um
filme dirigido por Ariane, com lançamento previsto para este ano — Ariane e
Lôbo planejam intensificar a presença de artistas do Soleil no Rio para a
realização de oficinas, além da encenação de espetáculos do repertório do grupo
e também da Aftaab, um grupo-filhote do Soleil criado há dez anos em Kabul, no
Afeganistão.
— Aftaab quer dizer sol em afegão, e é o que chamamos de satélite, um
grupo integrado à dinâmica do Soleil. Hoje em dia eles têm cinco peças no
repertório, e a ideia é trazer uma delas para cá — diz a atriz Juliana Carneiro
da Cunha, parceira de Ariane e atriz do Soleil há 22 anos.
— É um grupo de 17 artistas com suas famílias — diz Ariane sobre os
afegãos que vivem em trailers nos arredores da sede do Soleil. A companhia ocupou
o galpão em Paris em 1970.
Lôbo, que conduz uma série de atividades formativas e encena as peças da
Ensaio Aberto no Armazém, acredita que a trajetória dos grupos se relaciona não
só teatralmente, mas pelo modo como ambos transformaram espaços públicos
ociosos e abandonados em pólos culturais, além de servir como sede de seus
grupos.
— Lutamos muito para conseguir ocupar esse galpão, que estava
completamente abandonado. Passamos os últimos dois anos e meio transformando-o
num espaço de formação e criação. Agora, nosso objetivo é integrá-lo cada vez
mais à cidade — diz. — Do mesmo modo que já recebemos diversos festivais,
queremos abrir espaço para residências e intercâmbios com companhias
internacionais, e o Soleil é a prioridade. Ele vai nos ajudar muito como
exemplo. Estamos num momento em que a cidade precisa repensar a questão cultural
e formular políticas públicas que mantenham os grupos trabalhando e com suas
sedes funcionado.
Prestes a completar 50 anos de atividades, em 2014, o Théâtre du Soleil
tem sua história ligada à Cartoucherie desde 1970. Até ali, Ariane Mnouchkine
já havia dirigido cinco montagens, mas continuava sem uma sede. Drama de todo
grupo que planeja um trabalho contínuo, a busca pela casa própria acabou num
ato de ousadia. Ao deparar com diversos galpões abandonados no bosque de
Vincennes, em Paris, Ariane escolheu um, entrou e nunca mais saiu de lá.
— Às vezes, os artistas precisam ocupar os espaços. E toda ocupação
artística é uma espécie de fertilização. Já o capital, por exemplo, geralmente
não pensa em fertilização, mas em comercialização. Então o que fizemos com a
Cartoucherie foi um processo de fertilização.
À época, para conseguir encenar o espetáculo “1789” na Cartoucherie,
Ariane conseguiu um documento forjado dentro da prefeitura de Paris que
“autorizava” a permanência do grupo.
— Não tinha nada de oficial, mas quando vinham tentar nos tirar eu
mostrava o papel e eles voltavam para a prefeitura para tentar saber que
documento era aquele. Nesse meio tempo, a peça fez tanto sucesso que foi
impossível nos tirarem dali. Imagina, eles queriam transformar a Cartoucherie
num aquário de tubarões.
Ao lado de Ariane, Lôbo se entusiasma:
— Até hoje é assim, ou a cultura ocupa ou não consegue. O governo não
cede.
E Ariane toma a palavra final:
— Desde a primeira vez que vim aqui, em 1993, sempre ouço dos artistas
que o país não tem uma política cultural, e aí me pergunto: “Mas como vocês não
fazem um movimento tão forte que faça finalmente esse dinheiro existir?” — diz.
— É preciso fazer entender que a arte é primordial para o progresso social e
para a educação. Falo com veemência, sabendo que venho de um país privilegiado,
mas que se mantém deste jeito porque a luta é de todo instante. Artistas
precisam sempre lutar pela solidificação do teatro público e pela manutenção da
educação artística nas escolas. É fundamental.
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