quarta-feira, 16 de abril de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Oleanna"

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Texto brilhante em versão impecável



Lionel Fischer



Tratados já foram escritos sobre o significado da expressão "politicamente correto" e certamente pouco teria a acrescentar. No entanto, não resisto à tentação de reproduzir a breve definição de um estudante australiano da Universidade de Griffith, creio que formulada em 2011 - todos os anos a dita universidade promove um concurso que premia a definição mais apropriada para um termo contemporâneo. Vamos a ela:

Politicamente correto é uma doutrina, sustentada por uma minoria iludida e sem lógica, que foi rapidamente promovida pelos meios de comunicação (também iludidos e sem lógica) e que sustenta a ideia de que é inteiramente possível pegar num pedaço de merda pelo lado limpo.

Ser ou não ser politicamente correto...eis uma essencial questão contemporânea. Mas seja qual for a opção adotada, ela traz implícita uma feroz luta pelo poder. E tal luta passa, inevitavelmente, pela linguagem. Está atrelada ao significado que atribuímos às palavras, seja utilizando-as em seu sentido óbvio ou distorcendo-as em função de nossos objetivos. 

E estes são, ao que me parece, os temas fundamentais abordados por David Mamet em "Oleanna", em cartaz no Teatro Glaucio Gill em duas versões - na que assisti, Marcos Breda interpreta o professor John e na outra Miwa Yanagizawa faz a Professora, com Luciana Fávero vivendo a aluna Carol nas duas versões. Gustavo Paso assina a direção da montagem.

A peça se inicia com uma situação corriqueira: a aluna procura o professor em seu gabinete para saber as razões de ter recebido uma avaliação desfavorável em seu trabalho. Aos poucos, porém, questões pessoais começam a se mesclar às acadêmicas e a ação envereda para uma disputa em que o significado das palavras (ou a proposital ou inconsciente distorção das mesmas) estabelece um contexto de total incomunicabilidade entre os personagens, conduzindo a um desfecho surpreendente e algo trágico. 

Em resumo: sendo a incomunicabilidade uma das mais atrozes mazelas de nosso tempo, aqui ela é trabalhada de forma brilhante pelo autor, que deixa implícito que tudo poderia acontecer de modo diverso se houvesse um mínimo de boa vontade entre as partes beligerantes. Mas será que ainda existem pessoas de boa vontade?

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos magistrais e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, "Oleanna" recebeu impecável versão cênica de Gustavo Paso. Impondo à cena uma dinâmica que prioriza o essencial, ou seja, a palavra, ainda assim o encenador criou marcações expressivas e valorizou, com extrema maestria, os tempos rítmicos, cabendo ainda ressaltar sua irretocável atuação junto ao elenco.

Vivendo John, Marcos Breda exibe uma das mais significativas performances de sua bem sucedida carreira. Sua atuação é sóbria e contida, quando tais atributos se fazem necessários, da mesma forma que violenta e desesperada nas passagens mais dramáticas. E a mesma eficiência se faz presente no desempenho de Luciana Fávero. De início, somos levados a crer que estamos diante de uma jovem apenas teimosa e algo obtusa, mas aos poucos percebemos o caráter maquiavélico e manipulador de Carol, virtudes que pressupõem uma inteligência nada desprezível. 

Com relação à equipe técnica, Gustavo Paso e Teca Fichinski assinam uma cenografia muito interessante - os atores atuam em meio a duas plateias, diametralmente opostas, quem sabe com a intenção de sugerir ao menos a possibilidade de duas opiniões sobre o que é visto. A mesma Teca Fichinski responde por figurinos em total consonância com o caráter, profissão e condição social dos personagens. Também de excelente nível são a tradução de Marcos Daud, a iluminação de Paulo Cesar Medeiros e a trilha sonora de André Poyart.

OLEANNA - Texto de David Mamet. Direção de Gustavo Paso. Com Marcos Breda e Luciana Fávero. Teatro Glaucio Gill. Sexta a segunda, 20h. 






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