SOLIDÃO E TECNOLOGIA
28 de julho de 2014
Emanuel Medeiros Vieira
Uma
pesquisa da revista científica “Science” revelou que muita gente prefere levar
choques a enfrentar alguns minutos a sós com os próprios pensamentos.
Conforme
informa Juliana Vines – autora da matéria –, o estudo surpreendeu o próprio
autor da pesquisa, o psicólogo Timothy Wilson, da Universidade da Virgínia
(EUA).
“Parece
que há uma dificuldade em se distrair com a própria mente. Suspeito que a
popularização da tecnologia e dos smartphones é ao mesmo tempo um sintoma e uma
causa dessa dificuldade. Hoje, temos menos oportunidade para refletir e
desfrutar dos nossos pensamentos”, reforça Wilson.
Para a
psicóloga Lívia Godinho Nery Gomes, a onipresença da tecnologia, “obriga” os
seres humanos a estarem sempre disponíveis.
“Há um
apelo muito grande para estar em rede, compartilhar. Quem está de fora sente
que está perdendo alguma coisa”, diz ela.
Para Luci
Helena Baraldo Mansur, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo,
tentar ficar só sem se sentir sozinho é fundamental.
Diz ela:
“O tempo do silêncio e da quietude é um tempo que conduz à criatividade e não a
esse vazio tão temido. É quando podemos ouvir nossa voz interior”.
O
psicólogo Roberto Novaes Sá afirma que “nossa noção de realidade, de
estabilidade e de segurança é construída socialmente, através da relação com os
outros e das ocupações. Quando não estamos inseridos em alguma atividade há um
sentimento de não realização, fragilidade e angústia”.
Isso não
quer dizer que as possibilidades de contacto instantâneo – como as redes
sociais permitem – não sejamos valiosas–, ainda mais num tempo em que a vida
parece mais veloz, em que tudo parece dissolver-se, e o contacto “real” entre
as pessoas fica mais difícil.
O
importante é utilizar tais instrumentos, sem perder o contacto “real” e a
vivência” com outros seres humanos”.
Não somos
ilhas.
Como a
tecnologia tem transformado o conceito de solidão
Ana Paula Pereira
(Fonte da imagem: iStock)
A ideia de que ninguém vive
sozinho e que o ser humano foi criado para ter o seu convívio dentro de uma
sociedade não são conceitos novos. Inclusive, isso é algo tão enraizado na
nossa cultura que o fato de alguém estar sozinho ou se sentir dessa forma pode
ser algo que o leve facilmente a uma depressão.
O mundo moderno é globalizado e
interconectado; a internet quebrou várias barreiras impostas pela distância,
facilitando a comunicação com parentes e amigos que vivam em lugares distantes.
Porém, mesmo com toda a facilidade existente para você entrar em contato com
outros indivíduos, a cada dia mais pessoas se identificam como “solitárias”.
Há várias razões para que esse
fenômeno ocorra e uma delas é o aumento das interações no ambiente online.
Entretanto, vamos começar levantando uma questão comum na sociedade moderna,
que é como uma pessoa faz para se sentir completa.
Realização pessoal
Embora nosso convívio seja em
sociedade, os indivíduos costumam medir a sua realização pessoal com uma série
de pontos. Entre eles estão a sua carreira, que costuma ser uma maneira na qual
muitas pessoas concordam que alguém “alcançou o sucesso” ou “fracassou”. Essa
questão está diretamente ligada com as suas riquezas e posses, algo que também
é utilizado para determinar satisfação.
Além disso, entre os itens
também há o consumismo (ligado ao poder aquisitivo) e a imagem pessoal que o
indivíduo transmite. Alguns almejam tanto a conquista desses objetivos em um
grau idealizado (normalmente desde a infância) que o convívio com outros é
praticamente trocado por uma vida em busca de realização pessoal.
(Fonte da imagem: iStock)
Assim, em uma sociedade na qual tempo é dinheiro e você não possui horas ou minutos disponíveis para uma conversa pessoal, a internet e as redes sociais parecem sempre uma opção mais atrativa.
Online e impessoal
A cada dia mais pessoas passam
a utilizar meios virtuais para conversar com amigos ou conhecer novos
indivíduos. Isso porque a internet está popularizada, bem como os meios para
acessá-la; você pode usar não só o seu computador para a tarefa, como um tablet
ou um smartphone, fazendo com que ela seja portátil e você possa acessar do
local que quiser.
A comunicação pela internet é
simples, fácil, sem ansiedade. Você não precisa ficar com medo de falar algo
errado, pois sempre há como editar ou até mesmo excluir as suas publicações.
Dessa maneira, você pode passar a imagem que gostaria de ter, independente de
ela ser uma representação fiel da realidade.
(Fonte
da imagem: iStock)
O problema nisso é que as redes
sociais passaram a representar quase uma obsessão pela autoimagem de um
indivíduo. Muitos acabam dedicando horas à construção do que consideram um
perfil adequado, selecionando apenas as fotografias que julgam conter os seus
melhores ângulos e escrevendo apenas frases que transmitam um pouco da “pessoa
ideal”, aquela sem qualquer tipo de falhas – a que todos gostariam de ser.
As pessoas se acostumam
facilmente a “colecionar” amigos nas redes sociais, substituindo uma boa
conversa pessoal por uma mera conexão. A cada dia a “qualidade” é trocada pela
“quantidade” e a definição de “relacionamento” passa a ser representada pela
troca de imagens e algumas poucas linhas de texto em um chat online.
Você passa a esperar menos das
pessoas e começa a desejar que os métodos tecnológicos para a comunicação
passem por evoluções que tragam funções novas. Muitos autores costumam dizer
que o uso excessivo da internet faz você passar a vê-la como um modelo ideal de
convivência e até mesmo a ter uma dificuldade muito maior para desenvolver
relações pessoais.
A sensação de solidão
Infelizmente, como resultado do
uso excessivo desses meios para a comunicação, o que ocorre na maioria dos
casos é que, mesmo que o indivíduo considere que tem muitos amigos, ele acaba
se sentindo cada vez mais sozinho. Como somos vulneráveis à solidão, nos
apegamos cada vez mais à tecnologia para tentar preencher esse vazio.
Isso porque as redes sociais
trazem a impressão de que você pode passar uma imagem beirando a perfeição;
sempre será ouvido e nunca estará sozinho. Assim, muitos passam a querer cada
vez mais compartilhar experiências online para se sentirem “vivos” e “fazendo
parte de um grande grupo”, e é por essas razões que a tecnologia mudou o conceito
de estar sozinho e de sentir solidão.
Na medida certa
Claro que ninguém aqui está
dizendo que a comunicação online é a grande vilã dos tempos modernos. Não há
qualquer tipo de dúvidas com relação à internet ser uma excelente ferramenta
para vários propósitos. Entretanto, como tudo na vida, o ideal é que ela possua
a sua dosagem no cotidiano das pessoas.
A Inovação da Solidão
Bruno Medina
O sugestivo título que dá nome a este post é homônimo ao de um vídeo bem interessante que caiu na
rede esta semana, que dedica-se a investigar um fenômeno relativamente recente
que tem intrigado não só a mim, como a muita gente: a percepção de que, quanto
mais a tecnologia se empenha em conectar pessoas e eliminar em definitivo
qualquer possível manifestação de solidão, mais solitários nos tornamos de
fato.
É certo que a paradoxal afirmação não chega a ser nenhuma novidade,
afinal, basta concluir que nós mesmos somos as cobaias voluntárias desta onipresente
virtualização das relações em todas as suas conhecidas instâncias, um
experimento que, dada sua dimensão, freqüência em que ocorre e capacidade de
transformar o modo com que vivemos, inspira, no mínimo, atenção. Mas voltando
ao já citado vídeo, a proposta é expor de maneira ultra-didática a nem sempre
tão óbvia solidão que assola usuários freqüentes de redes sociais,
ironicamente, quando muitos acreditam que a ferramenta os ajudaria a caminhar
justo no sentido oposto.
De acordo com estudos sociológicos realizados, isto ocorre porque seres
humanos não conseguem relacionar-se com mais do que 150 pessoas ao mesmo tempo
(considerando que, por definição, uma relação entre dois indivíduos envolve um
nível mínimo de conhecimento e intimidade). Por sermos criaturas
instintivamente sociais, inseridas num contexto análogo à experiência em
sociedade proporcionada pelas comunidades virtuais – onde a obsessiva busca por
pertencimento parece não encontrar limites –, muitas vezes acabamos caindo na
tentação de recorrer a valores pouco nobres, tais como autocentrismo e
consumismo, para acelerar, ou mesmo sintetizar, o processo de constituição da
imagem que ostentamos perante os outros neste ambiente.
E eis que, de uma hora
para outra, o mundo no qual ‘tempo é dinheiro’ descobre uma tecnologia que
assegura a qualquer um a possibilidade de administrar a própria vida
sentimental de maneira mais rápida e eficiente; ao relativizar conceitos
indispensáveis à criação e à manutenção de vínculos emocionais, passamos a colecionar
amigos como se fossem figurinhas de um álbum, a priorizar quantidade em função
de qualidade nas relações e, pior, a relegar o conceito de amizade à troca de
fotos, publicações genéricas sobre temas aleatórios e bate-papos sem
profundidade. Dessa forma, a conversação cede lugar à proximidade superficial,
originando a estranha e a cada dia mais comum condição de sentir-se só mesmo
estando em meio a tantos amigos.
Mas qual seria a dificuldade em se estabelecer uma conversa de verdade?
Bem, conversas de verdade acontecem em tempo real, de modo que não é possível
controlar com precisão o que será dito ou compreendido. SMS, e-mails e
postagens, por sua vez, permitem que nos apresentemos da exata maneira com que
desejamos ser vistos, ou seja, realizar uma minuciosa edição em que só consta o
melhor de nós mesmos, o que pode muito bem implicar em horas dedicadas à
construção de perfis, à escolha das palavras mais adequadas para a próxima
postagem ou das fotos que mais nos beneficiam.
Assim sendo, as redes sociais
não estariam apenas transformando o que fazemos, e sim quem somos, visto que
nos levam a acreditar em 3 falsas premissas: a primeira, que estamos atentos a
tudo de relevante que ocorre a nossa volta, a segunda, que sempre seremos
ouvidos e, a terceira, que nunca mais precisaremos estar sós. Talvez a maneira
mais apropriada de descrever os riscos implícitos nesta última seria reconhecer
o surgimento de um novo modo de pensar, um em que aproximam-se os sentidos de
‘compartilhar’ e ‘ser’, materializado na suspeita de que navegamos num oceano
de publicações de experiências em parte ficcionais, cujo único propósito é
conceder a seus autores a sensação de que estão vivendo intensamente.
Mais do
que apenas isso, o código de conduta vigente nas redes sociais parece
determinar com clareza não haver espaço para a exposição de angústias e mazelas
reais, a menos, claro, que carreguem em si uma dose considerável de ironia, e a
conseqüência direta disso pode ser um distanciamento da própria essência.
Estaríamos então
condenados a viver alienados, numa espécie de Ilha da Fantasia, cercada por
porções incomensuráveis da boa e velha solidão? Não necessariamente. Uma das
passagens mais marcantes de Alone Together, livro escrito por Sherry Turkle e
que serviu como referência para a criação do vídeo, corresponde à narrativa de
uma cena trivial, ainda que muito reveladora destes tempos: ao passar meses a
fio observando o momento de reencontro entre pais e filhos na saída de escolas,
Sherry notou a recorrente frustração das crianças ao constatar que seus pais e
mães tinham toda a atenção voltada não para a porta por onde sairiam, mas sim
para seus próprios smartphones.
Ainda segundo a autora, esta geração enxerga a
tecnologia como um competidor em potencial e, por isso, certamente não a
utilizará da mesma maneira com que o fazemos agora. Resta, portanto, a
esperança de que as crianças de hoje saibam ensinar amanhã a seus filhos como
serem sozinhos, para que nunca se sintam verdadeiramente solitários…
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A solidão na era das novas tecnologias de informação
A solidão digital reenvia as nossas linhas de fratura
social e nos lembra que a justiça e a dignidade vão além da satisfação das
necessidades materiais. Criticar a violência das relações sociais digitais talvez
só faça sentido se criticarmos com a mesma força com a violência das relações
sociais tout court. E que tentemos responder a elas.
A opinião é de Anthony Favier,
em artigo publicado na revista Parvis, de março-abril de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis
o texto.
Nunca como agora
a nossa época manifestou o seu apetite pelas novas formas de comunicação. A "revolução" digital muda as nossas sociedades, que, no
entanto, não parecem conseguir responder à solidão sofrida por alguns de seus
membros.
São inúmeros os paradoxos contemporâneos. Formamos ao mesmo
tempo uma sociedade em que os solteiros são legiões e buscam o amor, sozinhos,
em sites de encontro pagos. O desejo de afirmar "a si mesmos" se
realiza através da inserção online em redes sociais de dados privados e fotos
com pessoas que se encontram pouco ou raramente e que são, apesar de tudo,
definidas como "amigas".
A socióloga
norte-americana Sherry Turkle, que trabalha sobre o modo como a
internet transforma os nossos comportamentos, destaca: "No silêncio da conexão,
as pessoas se sentem tranquilizadas, estando em contato com um grande número de
pessoas – cuidadosamente mantidas à distância. Nunca temos o suficiente do
outro, já que podemos usar a tecnologia para manter o outro à distância: não
perto demais, nem longe demais, justamente da forma que nos convém".
Portanto, as técnicas da informação satisfariam o nosso desejo
de controle, mas desembocariam somente em relações distantes e, conseqüentemente,
inconsistentes... que nos tornam, no fim, mais sozinhos e que marcam o advento
de uma sociedade conectada e depressiva. Depressiva porque conectada?
Do
curvamento à abertura
Sem ir longe
demais, lembramos que 27% dos franceses declara ter iniciado "relações com
novas pessoas" graças à internet e às novas tecnologias da informação,
segundo uma pesquisa muito recente (CREDOC. Les Français en quête de lien
social).
O percentual sobe para 51% para pessoas que participam de redes
sociais. As comunidades de cidades ou de bairros, as socialidades familiares,
religiosas ou profissionais não desapareceram com a chegada da internet. As
coisas se inserem em um tempo mais longo...
Ao contrário, a tecnologia não abole as distâncias, mas pode
criar novas amizades, improváveis redes de interesse, socialidades nascidas do
diálogo espontâneo. Blogs e fóruns sobre centros de interesse não significam o
desaparecimento da associação de bairro ou de ex-alunos; muitas vezes, oferecem
um paralelo digital delas e prolongam a sua prática sob uma outra forma. O
lugar das novas tecnologias na solidão sofrida modernamente talvez reproponha o
velho debate entre "tecnófilos" e "tecnófobos".
Um instrumento
não tem em si um senso moral e, ao invés, é o seu uso, as sociedades que o
sustentam e as regras de que são dotados que lhe conferem uma consistência.
Educar-se a internet, então? Um filósofo das novas tecnologias, Antonio Casilli,
faz uma curiosa constatação no seu último livro sobre a socialidade digital,
intitulado Les liaisons numériques, vers une nouvelle sociabilité (Seuil).
São aqueles que usam as novas tecnologias em uma lógica do dom,
abrindo-se aos outros e comunicando conteúdos próprios, que dizem que recebem
mais, obtêm mais para si mesmos. A lógica altruísta e a disponibilidade aos
outros seriam as disposições que levam a menos ao curvamento sobre si mesmos e
sobre o próprio mundo fechado. Seja no espaço digital, seja na vida real, de um
certo modo.
Contra
a solidão (digital)?
Nesse amplo debate, além disso, os tecnófilos têm muitos
argumentos em seu favor. As nossas relações face a face também podem ser de
conveniência, conformistas... e narcisísticas.
Além disso, se as novas tecnologias alimentam as nossas
solidões, na realidade revelam sobretudo as já existentes. Aqueles que lutam
contra a pobreza falam, e não só para os países do Sul do mundo, de
"brecha digital". A expressão designa o modo pelo qual aqueles que
não têm acesso material, que não foram formados para as novas tecnologias ou
que não têm a idade para serem iniciados, são excluídos, mais uma vez, do
"jogo social" e das suas possibilidades.
A solidão
digital reenvia as nossas linhas de fratura social e nos lembra que a justiça e
a dignidade vão além da satisfação das necessidades materiais. Criticar a
violência das relações sociais digitais talvez só faça sentido se criticarmos
com a mesma força com a violência das relações sociais tout court. E que
tentemos responder a elas.
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A solidão como refúgio na era das redes sociais
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Eugenio Borgna resgata as qualidades da solidão em um mundo enfeitiçado pelo digital, excitado e oprimido pela perene conexão com tudo e com todos. O seu livro, porém, não tem um recorte sociológico e menos ainda um odor nostálgico: pelo contrário, é radicalmente contracorrente. É um elogio da escolha livre de estar sozinho, sem a presença constante dos outros, uma apologia daquela experiência humana e psicológica que é pré-condição de todo pensamento crítico e de toda atividade criativa.
O título é La solitudine dell´anima (Ed. Feltrinelli,
198 páginas). O autor é um psiquiatra que recorre à literatura e à filosofia
não por um improvável exibicionismo seu, mas para restituir a infinita
complexidade do nosso mundo interno ("a psiquiatria tem necessidade da
poesia", escreve ele com audácia).
Eis a entrevista.
O
que é, para o senhor, a solidão e por que ela se diferencia do estado de
isolamento?
Solidão e isolamento são dois modos radicalmente
diferentes de viver, embora freqüentemente sejam identificados. Estar sozinho
não quer dizer sentir-se sozinho, mas separar-se temporariamente do mundo das
pessoas e das coisas, das ocupações cotidianas, para entrar novamente na
própria interioridade e na própria imaginação – sem perder o desejo e a
nostalgia da relação com os outros: com as pessoas amadas e com as tarefas que
a vida nos confiou. Estamos isolados, ao contrário, quando nos fechamos em nós
mesmos, porque os outros nos rejeitam ou mais freqüentemente no rastro da nossa
própria indiferença, de um egoísmo tétrico que é o efeito de um coração árido
ou seco.
Por
que a solidão se nutre de silêncio e o isolamento é marcado pelo mutismo?
Porque na solidão, tão rica de vida interior, o
silêncio tem um eros e uma linguagem próprios: diz as nossas melancolias, as
angústias, as esperanças não expressadas, os temores, as expectativas. Diz os
nossos desejos mais autênticos. O silêncio tem mil modos de manifestar alguma
coisa e de escondê-la, de indicar e de aludir, de se aproximar e de se afastar,
de fascinar e de intimidar. Ao contrário, quando estamos isolados, separados do
mundo, mônadas de portas e janelas fechadas, não temos pensamentos e emoções a
serem transmitidos aos outros. Sem mais palavras, aprofundamo-nos em um mutismo
que tem uma única dimensão: a da insignificância.
Mas nós estamos imersos na era do encantamento pelo
digital, em que a intimidade é exteriorizada por meio das redes sociais,
provavelmente em fuga do sentido de vazio que deriva da ausência de laços
reais, certamente capaz de comunicar rapidamente com qualquer um. Será ainda
possível recuperar o sentido mais precioso da solidão?
Você toca em um aspecto emblemático da condição
humana de hoje e da juvenil em particular: a tendência aos contatos de
"desemocionalizados" que respondem às necessidades do momento e se
incineram sem deixar rastro no coração e na memória. Não há dúvida de que hoje
a solidão é sempre mais difícil de ser salva e de ser vivida, porque somos
arrastados por um redemoinho de sensações exteriores que não nos dão nem mais o
tempo para pensar em nós mesmos, para nos confrontar com os nossos segredos,
com o guazzabuglio [mistura, confusão] manzoniano [de Alessandro Manzoni] das
emoções que estão em nós, com as coisas que não queremos lembrar e voltam à
memória, com a autenticidade ou a inautenticidade das relações que temos com os
outros: no fundo, com o mistério do viver e do morrer.
A
solidão – como o senhor a entende – não está, então, destinada a ser a
prerrogativa de uma minoria de boas almas?
Não, porque a solidão, como eu a entendo, não é só
uma experiência interior de poucos eleitos, mas, ao contrário, é uma matriz
ideal de mudança relacional e cultural, política e social e, em última
instância, razão de vida historicamente significativa. É indispensável
reencontrar os valores inalienáveis da reflexão crítica e da solidariedade, do
empenho ético na política, do respeito radical das pessoas e das suas
diferenças – transferindo a consciência desses valores para aquela que é a ação
cotidiana, o testemunho pessoal de cada um de nós.
Algumas
páginas iniciais do seu livro referem-se a um filme de Bergman de 1972:
Lágrimas e suspiros. Por que as escreveu?
Porque aquelas quatro mulheres vestidas de branco
conjugam as diversas linguagens paradigmáticas da solidão. Agnes, quase
devorada pela doença, até nas últimas horas não perde nada da sua
sensibilidade, jamais está fechada em si mesma, mas aberta a um diálogo com a
memória e com a espera misteriosa da morte. Ao lado dela está Anna, uma jovem
mulher capaz de compartilhar esse destino como se fosse o seu. Depois, estão as
duas irmãs de Agnes – Karin e Maria – aprisionadas, ao contrário, em uma
solidão que representa o isolamento mais egocêntrico, o deserto das emoções, a
indiferença gelada ao amor e à solidariedade, em uma insana idolatria do eu, do
corpo, da beleza.
"Toda
a infelicidade do homem deriva da sua incapacidade de permanecer no seu quarto
sozinho": a solidão da alma não poderia ser resumida nesse aforismo de
Pascal?
Leio Blaise Pascal
desde os tempos da escola, porém, desta vez, a fulgurante incisividade do seu
pensamento não levantou voo pelas zonas da minha memória. Sim, no aforisma
pascaliano – que capta a dimensão existencial radical da solidão: da fadiga, ou
melhor, da incapacidade de vivê-la – não se poderia resumir melhor o forte
sentido do meu livro. Desagrada-me o fato de não ter citado uma bela reflexão
leopardiana [de Giacomo Leopardi], e faço-o aqui, sintetizando ao máximo: a
solidão "nos rejuvenesce".
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