Teatro/CRÍTICA
"Boca de Ouro"
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Mítica versão minimiza o trágico
Lionel Fischer
"Boca de ouro é um lendário bicheiro carioca, figura temida e megalomaníaca, que tem esse apelido porque trocou todos os dentes por uma dentadura de ouro. Quando Boca é assassinado, seu passado é vasculhado pelo repórter Caveirinha, que vai até a casa de Guigui, ex-amante de Boca. Lá, ouve a versão dela, que desanca o bicheiro. Mas, ao saber de seu assassinato, Guigui se arrepende e exalta Boca como uma figura amorosa. Já no terceiro ato, Guigui volta a desancar o bicheiro, pois teme ser abandonada pelo marido Agenor. Nas três versões relatadas, surge o casal Celeste e Leleco, que tem relação direta com o assassinato de Boca de Ouro".
Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Boca de Ouro", de Nelson Rodrigues. Em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, a montagem leva a assinatura de Gabriel Villela, também responsável pela cenografia e figurinos. No elenco, Malvino Salvador, Mel Lisboa, Claudio Fontana, Lavínia Pannunzio, Leonardo Ventura, Chico Carvalho, Cacá Toledo e Guilherme Bueno, que dividem a cena com o pianista Jonatan Harold e a cantora Mariana Elisabetsky, que interpreta as 14 canções do espetáculo.
Como todos sabemos, Gabriel Villela é um dos melhores diretores do teatro brasileiro, já tendo levado à cena uma série de espetáculos memoráveis. Ao longo dos últimos 29 anos de exercício ininterrupto da crítica teatral, tive o privilégio de escrever sobre várias montagens de Villela, que, em sua maioria, considerei verdadeiras obras-primas de encenação - neste particular, "A rua da amargura" ocupa um lugar muito especial, tamanho o deslumbre que senti. E meu encantamento pelo trabalho do diretor se deve, dentre outras coisas, à estonteante beleza e originalidade das soluções que materializa, independentemente do autor encenado.
Isto posto, cabe registrar que tais predicados estão presentes nesta versão de "Boca de Ouro". No entanto, ao optar por uma visão, digamos, mítica do texto, e propor ao elenco interpretações impregnadas de maneirismos, em meu entendimento Villela minimiza a tragicidade do texto, posto que as belíssimas imagens acabam se sobrepondo aos conteúdos emocionais em jogo. E se por um lado todos os intérpretes executam com brilhantismo o que lhes foi proposto - gestos entrecortados, vozes que exibem entonações que fogem totalmente ao real, posturas corporais propositadamente exageradas etc.-, por outro me parece inegável que todo esse brilhantismo retira dos personagens sua forte humanidade.
No tocante à inserção de 14 canções, dentre elas Cidade Maravilhosa, Vingança, A Noite do Meu Bem e Ne Me Quittes Pas, as mesmas estão em plena sintonia com as propostas da encenação, cabendo registar que são maravilhosamente interpretadas por Mariana Elisabetsky, que tem a acompanhá-la o excelente pianista Jonatan Harold. E quanto às colaborações da equipe técnica, a todas considero de altíssimo nível - Gabriel Villela (cenografia e figurinos), Wagner Freire (iluminação), Babaya (direção musical e preparação vocal) e Francesca Della Monica (espacialização vocal e antropologia da voz).
BOCA DE OURO - Texto de Nelson Rodrigues. Direção de Gabriel Villela. Com Malvino Salvador, Mel Lisboa, Claudio Fontana, Lavínia Pannunzio, Leonardo Ventura, Chico Carvalho, Cacá Toledo, Guilherme Bueno, Mariana Elisabetsky e Jonatan Harold. Teatro Sesc Ginástico. Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018
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