Teatro/CRÍTICA
"O tempo não dá tempo"
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Imprevistas emoções em ótimo espetáculo
Lionel Fischer
"O tempo não dá tempo, espetáculo itinerante de teatro-dança, construído a partir das sensações de interrupção, insistência, lentidão e falta de tempo, faz um paralelo entre os tempos urbanos e o tempo da poesia. De um lado, cenas curtas, interrompidas e confinadas, experimentando o tempo das relações que não se estabelecem e a fragilidade da vida. Tempo que atravessa, interrompe, separa. De outro, o tempo da delicadeza, do respeito e do cuidado. A observação sobre o nosso próprio corpo e, com isso, a reflexão sobre o que fazemos com nosso tempo e, principalmente, sobre a percepção de vivenciar de verdade cada minuto da vida".
Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima explicita as principais premissas de "O tempo não dá tempo" (Teatro Oi Futuro), cuja dramaturgia é oriunda de uma criação colaborativa de Duda Maia, Gregorio Duvivier, Oscar Saraiva, Gonçalo M. Tavares e elenco, composto por Ciro Sales, Juliana Linhares, Marina Vianna e Oscar Saraiva. Angel Vianna participa como artista convidada, estando a direção a cargo de Duda Maia.
Em função do exposto no parágrafo inicial, suponho que o leitor possa ter percebido que não se trata de um espetáculo convencional, estruturado a partir de uma dramaturgia igualmente convencional - com relação a esta última, cabe lembrar que dramaturgia não é necessariamente composta de palavras, ainda que as mesmas estejam aqui presentes, mesmo que em pequenas doses.
Ainda assim, meu envolvimento com o espetáculo se deu, basicamente, através da seguinte frase, proferida enquanto dois intérpretes galgam uma escada entrelaçados, de forma muito lenta, ultrapassando alguns degraus com seus corpos, sem que os mesmos desgrudem dos ditos degraus: "Há movimento no repouso" - não me recordo agora se também é dito o inverso, "Há repouso no movimento". Mas parto da primeira opção.
Se me parece óbvio que um corpo em repouso não está em movimento, em que consistiria o mencionado movimento? Posso estar enganado, naturalmente, mas para mim o movimento em questão seria interno. Ou seja, a ausência de deslocamento físico talvez propicie um estado que permite o aflorar de questões inerentes ao espírito.
E mesmo que esta avaliação possa estar equivocada, como acabo de dizer, ainda assim tal equívoco não me parece assim tão grave, pois o espetáculo, em meu entendimento, pode ser recebido pelo espectador de formas diversas. Por exemplo: há uma passagem em que uma mulher, vestida de vermelho e iluminada por uma luz igualmente vermelha, está encostada em uma parede. Ela faz alguns movimentos impregnados de angústia, e finalmente inclina seu corpo para a frente. Para mim, essa mulher está em vias de se suicidar. Mas outro espectador pode achar que ela está iniciando um movimento de libertação daquilo que a angustia. E um outro poderia aventar uma terceira possibilidade, e assim por diante.
Em outra passagem, uma mulher se encontra sentada em uma cadeira. Inicialmente, ela faz pequeníssimos gestos, que pouco a pouco ganham amplitude e frenética velocidade. Percebe-se seu imenso desconforto. Para mim, ela ambiciona deixar aquele lugar, libertando-se da angústia e indecisão que a dominam. Mas pode ser que alguém suponha que essa mulher não passa de uma insana que perpetua um gestual que se repete. E aí? Haveria a possibilidade de estarmos ambos certos, eu e esse hipotético espectador?
E há também uma curiosidade. Nem todas as cenas são vistas por todos os espectadores, que são conduzidos pelos intérpretes para variados espaços. Neste sentido, só posso falar sobre o que vi. E o que vi me encantou profundamente, aí incluindo, dentre outras passagens, a inicial, em que um casal executa uma série de movimentos que se repetem, ganham progressiva velocidade, acabam sugerindo uma violenta relação sexual e finalmente ambos se apaziguam, como se tivessem chegado ao final de um ciclo pelo qual teriam que necessariamente passar. Também me sensibilizou muito os momentos de aconchego entre os atores e os espectadores, intensa comunhão física que sabiamente abdica das palavras.
Finalmente, cabe registar o emocionante momento final do espetáculo, em que o elenco acolhe Angel Vianna, artista que, juntamente com seu falecido marido Klaus Vianna, revolucionou o teatro carioca no que concerne à expressividade corporal dos atores. Minha única ressalva fica por conta das capas plásticas que todos acabam vestindo - se até esse momento os corpos se expuseram e se entregaram de forma tão visceral, por que cobri-los, ainda que não deixem de ser vistos?
Seja como for, essa pequena ressalva em nada invalida o espetáculo como um todo, dirigido por Duda Maia com a habitual sensibilidade e aparentemente inesgotável capacidade de nos surpreender com soluções tão criativas como imprevistas. E meu aplauso entusiasmado se estende à performance de todo o elenco, cuja visceral entrega se materializa através de irretocáveis trabalhos de corpo e voz, e também nas passagens em que a dança predomina. Neste sentido, e sem nenhum demérito aos demais, gostaria de registrar que, em dados momentos, a atriz Juliana Linhares sugere estar impregnada do furor das grandes tempestades, o que me gerou profundo encantamento e, verdade seja dita, uma singela ponta de inveja...
Com relação à equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Theodoro Cochrane (direção de arte), Rico e Renato Vilarouca (direção de projeções e criação gráfica), Ricco Viana (direção musical), Renato Luciano (composição do "tema da escada") e Renato Machado (iluminação).
O TEMPO NÃO DÁ TEMPO - Dramaturgia colaborativa. Direção de Duda Maia. Com Ciro Sales, Juliana Linhares, Marina Vianna, Oscar Saraiva e Angel Vianna. Teatro Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018
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