"The cachorro manco show"
Comovente, dolorosa e hilária reflexão sobre a condição humana
Lionel Fischer
O título do presente espetáculo deixa em aberto algumas possibilidades. A primeira e a última palavra, escritas em inglês, indicam que estaremos diante de um show. As do meio, em português, mencionam um cachorro manco. Portanto, tudo levava a crer que um cão, com grave deficiência em uma de suas patas, faria algum tipo de exibição para a platéia. E não deixa de ser verdade. No entanto, o que assistimos trasncende - e em muito - a curiosa sugestão contida no título.
Vencedor do II Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antonio José da Silva, "The cachorro manco show", de autoria de Fábio Mendes, é o atual cartaz do Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea). O espetáculo chega à cena com direção de Moacir Chaves e interpretação a cargo de Leandro Daniel.
Com poucos minutos de espetáculo, fica perfeitamente claro que não se trata de um ator imitando um cachorro e sim que este é o símbolo de todos aqueles que da vida só conheceram o seu lado mais amargo. Relacionando-se diretamente com a platéia, às vezes priorizando o humor e em outros o trágico, o personagem faz uma implacável crítica social de um sistema que só leva em conta as necessidades daqueles que detêm o poder.
Mesclando as dolorosas confissões do personagem com citações do Padre Antonio Vieira, que sustenta que a felicidade só é possível em um mundo em que a igualdade e a harmonia prevaleçam, Fábio Mendes criou um texto admirável, repleto de reflexões mais do que pertinentes sobre a condição humana.
Quanto ao espetáculo, Moacir Chaves impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Através de marcas imprevistas e expressivas, além de uma constante valorização dos momentos em que nada é dito, o encenador consegue materializar todos os conteúdos propostos pelo autor. Além disso, exibe o mérito suplementar de haver extraído uma excelente atuação do único intérprete.
Ator ainda bastante jovem, Leandro Daniel exibe notável domínio sobre seus já vastos recursos expressivos, além de uma capacidade de entrega realmente comovente. Sem dúvida, estamos diante de um profissional que, se contar com as bênçãos dos sempre caprichosos deuses do teatro, haverá de cumprir brilhante trajetória artística.
No tocante à equipe técnica, Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque assinam uma cenografia simples, porém muito expressiva. O mesmo ocorre com a iluminação de Aurélio de Simoni - determinante para a valorização dos múltiplos climas emocionais em jogo -, com os figurinos de Inês Salgado e com a trilha sonora de Tato Taborda. Sem dúvida, um espetáculo que merece ser prestigiado de forma incondicional por todos aqueles que ainda acreditam que o teatro pode e deve ser muito mais do que o couvert de inevitáveis pizzas.
(Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2008)
domingo, 28 de dezembro de 2008
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