"A mandrágora"
Obra-prima em versão irretocável
Lionel Fischer
De formação humanista e uma das personalidades mais marcantes do Renascimento, Niccolo Maquiavel (1469-1527) escreveu várias obras de cunho político, sendo a mais célebre "O príncipe". O mesmo ocorreu com relação ao teatro, sendo que neste segmento deixou a obra-prima "A mandrágora", considerada a comédia italiana mais importante do século XVI, tanto pela originalidade temática como pela elegância dos diálogos, que possibilitam uma visão amarga e crítica dos costumes e vícios da época. Mas a peça também pode ser entendida como ilustração de estratégia política, posto que aborda a arte de envolver, manipular, convencer e, finalmente, atingir um determinado objetivo. Aliás, para o genial autor e pensador, "Os fins justificam os meios".
É é precisamente "A mandrágora" a peça escolhida pelo Grupo Tapa para comemorar seus quase 30 anos de brilhante trajetória. Em cartaz na Caixa Cultural (Teatro de Arena), a peça chega à cena com direção e tradução de Eduardo Tolentino de Araújo e elenco formado por Rodrigo Lombardi (Calímaco), Guilherme Santanna (Messer Nícia), Brian Penido Ross (Siro), Sergio Mastropaasqua (Ligúrio), Charles Myara (Frei Timóteo), Patrícia Pichomone (Lucrécia) e, como atriz convidada, Suely Franco na pele de Sóstrata.
Por se tratar de obra muito conhecida, julgamos dispensável resumir seu enredo. Assim teremos mais espaço para detalhar alguns aspectos desta montagem exemplar. Um deles, talvez o principal, seja a capacidade de Eduardo Tolentino de investir em uma linha cômica, mas sem por isso sacrificar o alcance e pertinência das corrosivas críticas empreendidas pelo autor. A platéia ri muito com as soluções encontradas, sempre imprevistas e criativas, sendo tais predicados valorizados ao extremo tanto pela participação dos profissionais que estão no palco quanto daqueles que integram a equipe técnica.
De talento mais do que reconhecido, possuidores de técnica impecável e esbanjando alegria de estarem em cena, os atores do Tapa exibem performances maravilhosas. Além disso, fato não muito comum nos palcos nacionais, todos deixam perfeitamente claro seu total entendimento do texto, das propostas da direção e do que têm a realizar em seus respectivos papéis. Neste sentido, e apenas para não deixar passar em branco uma atuação memorável, citamos a de Guilherme Santanna, sem dúvida um dos melhores atores deste país.
Na equipe técnica, parabenizamos com a mesma emoção e entusiasmo os trabalhos de todos os profissionais envolvidos - Eduardo Tolentino de Araújo (tradução), Lola Tolentino (cenografia e figurinos) e Nelson Ferreira (iluminação).
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 22 de janeiro de 2008)
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"Cachorro!"
Deliciosa homenagem a Nelson
Lionel Fischer
Como se sabe, triângulos amorosos existem desde sempre, tanto na vida como nas artes. Portanto, aqui estamos diante de uma situação já explorada ao infinito: temos o marido, a esposa e o amante. No entanto, o presente texto tem algo de muito singular: é uma assumida homenagem a Nelson Rodrigues, nosso maior dramaturgo e profundo conhecedor da alma humana, com todas as suas grandezas e abjeções. De autoria de Jô Bilac, "Cachorro!" (Teatro Maria Clara Machado) chega à cena com direção de Vinicius Arneiro e elenco formado por Felipe Abib, Carolina Pismel e Paulo Verlings.
Como já explicitado no parágrafo inicial, o texto gira em torno de um casal cuja esposa trai o marido com o melhor amigo dele. E o enredo também é preivisível: os amantes oscilam entre assumir a relação, contando a verdade ao corneado esposo, ou simplesmente fugirem juntos. Mas também chegam a considerar a hipótese de se suicidarem, bem ao estilo rodriguiano.
É evidente que não relataremos o que de fato ocorre, pois isso privaria o espectador de muitas surpresas. Mas gostaríamos de ressaltar a excelente qualidade do texto, os ótimos diálogos e personagens muito bem construídos. E sobretudo a capacidade de Jô Bilac de prestar um tributo a Nelson Rodrigues sem tentar, em nenhum momento, copiar seu estilo. Nelson é uma clara referência, evidentemente, mas o jovem autor consegue imprimir sua marca, mesclando com grande habiilidade momentos trágicos e hilariantes. Sem dúvida, Jô Bilac é uma gratíssima revelação, ao menos para nós, que não conhecíamos nenhuma outra peça de sua autoria.
Quanto ao espetáculo, Vinicius Arneiro impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto. O diretor cria marcas inventivas e imprevistas, e não raro impregnadas de gestos e movimentos coreográficos, sendo tudo executado com extrema precisão pelo jovem elenco. Felip Abib, Carolina Pismel e Paulo Verlings exibem muitas qualidades, tanto vocais como corporais. Além disso, entregam-se com alegria e extrema disciplina ao jogo cênico proposto pelo encenador, e certamente a soma dessas virtudes contribui decisivamente para a empatia que estabelecem com os espectadores.
Na equipe técnica, Paulo César Medeiros assina uma luz expressiva, decisiva para enfatizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Também destacamos o ótimo cenário de Daniele Geammal, composto basicamente de luminárias e praticáveis transparentes constantemente manipulados pelos atores. Júlia Marini responde por corretos figurinos, a mesma correção presente na trilha sonora de Diogo Ahmed.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 29 de janeiro de 2008)
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"Salmo 91"
Terror e lirismo no Poeira
Lionel Fischer
Em uma de suas peças, Pirandello escolheu como título "Seis personagens à procura de um autor". Aqui, estamos diante de personagens reais, dez homens (interpretados por cinco atores) em busca de algo bem diverso: contar um pouco de suas amargas trajetórias e da desesperadora realidade que lhes coube viver.
Baseado no livro "Estação Carandiru", de Drauzio Varella, "Salmo 91" chega à cena (Teatro Poeira) com adaptação feita por Dib Carneiro Neto, direção de Gabriel Villela e elenco formado por Pascoal da Conceição (Dadá e Veio Valdo, o primeiro também cumprindo o papel de narrador), Pedro Moutinho (Charuto e Valente), Rodolfo Vaz (Bolacha e Veronique), Rodrigo Fregman (Zé da Casa Verde e Nego-Preto) e Ando Camargo (Zizi Marli e Edelso).
Como se trata de um livro por demais conhecido, e que já gerou um filme esplêndido, não cabe aqui resumir seu enredo. Até porque não temos propriamente um enredo, mas uma série de depoimentos daqueles que padeceram não apenas os horrores inerentes a uma penitenciária, mas que também foram vítimas do mais brutal e injustificável massacre já perpetrado contra detentos.
Para materializar na cena o ótimo texto de Drauzio Varella, convertido em excelente texto teatral por Dib Carneiro Neto, o diretor Gabriel Villela optou por uma cena praticamente despojada de elementos, a não ser uns poucos, indispensáveis. E apostou tudo na capacidade do elenco de viver intensamente o horripilante contexto. E tal opção revelou-se inteiramente acertada.
Torna-se claro que estamos diante de cinco atores extremamente talentosos, de grande experiência e técnica impecável. Mas o fundamental é sua impressionante capacidade de entrega, a total disponibilidade para mergulhar em um universo sujeito a todas as atrocidades possíveis e imagináveis, tanto por parte dos responsáveis pelo presídio quanto dos próprios detentos.
Ainda assim, há pequenas brechas que permitem a materialização de momentos impregnados de poesia e lirismo, o que torna ainda mais sofrida a experiência do espectador, pois inevitavelmente ele é levado a crer que aquelas pessoas, ou ao menos uma parte delas, poderia ter tido um destino diferente, não fossem tão injustas as condições impostas por aqueles que detêm o poder.
Na equipe técnica, Villela assina cenografia e figurinos inteiramente em sintonia com sua proposta de direção, cabendo também destacar a expressiva iluminação de Domingos Quintiliano, a mesma expressividade presente na trilha sonora de Tunica.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 25 de março de 2008)
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"O dragão"
Comovente apelo ao entendimento
Lionel Fischer
É sabido que o homem padece de incontáveis defeitos. Mas talvez o mais grave seja a intolerância, que nos leva a rejeitar idéias, valores e sentimentos que não coincidam com os nossos. É claro que a questão envolvendo judeus e palestinos transcende eventuais diferenças entre ambos os povos, mas ainda assim imaginamos que a falta de mútua tolerância seja determinante para a aparente perpetuação deste amargo conflito.
Baseado em artigos, depoimentos e fatos reais, o mais recente espetáculo do Amok Teatro exibe versões de ambos os lados, sem jamais tomar partido. Em cartaz no Espaço Sesc, "O dragão" conta com direção de Ana Teixeira, montagem de texto de Ana e Stephane Brodt e elenco formado por Brodt, Fabianna de Mello e Souza, Kely Brito e Cassiano Gomes, que dividem a cena com Carlos Bernardo, responsável pela música e também intérprete da mesma.
Dividida em dois quadros, "Abril em Jenin" mostra o desespero de um jovem palestino que narra a morte de toda uma família após um bombardeio - este mesmo jovem, no final, torna-se um homem-bomba. Em "O último Kadish", uma mãe judia narrra a morte de sua filha de 14 anos, vítima de um homem-bomba, e faz um pungente apelo para que o entendimento prevaleça. Neste quadro também temos o depoimento do motorista do ônibus onde se deu o atentado que vitimou a menina, sendo que ele ficou paraplégico. O desespero deste homem é de tal ordem que o faz invejar a "sorte" das vítimas fatais.
Impondo à cena uma dinâmica seca e austera, Ana Teixeira constrói um espetáculo memorável, sob todos os aspectos. No tocante ao elenco, Fabiana de Mello e Souza desempenha com segurança e vigor suas duas personagens, o mesmo ocorrendo com Kely Brito e Cassiano Gomes, em participações menores.
Quanto a Stephane Brodt, o ator exibe performances inesquecíveis. Possuidor de técnica impecável, Brodt mergulha profundamente no universo dos dois personagens, de ambos arrancando tudo que é possível. É realmente um privilégio assistir a um intérprete de exceção que, invariavelmente, oferece tudo de si à platéia, conseguindo ao mesmo tempo emocioná-la e levá-la a refletir.
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo e enorme entusiasmo a expressividade da iluminação de Renato Machado, o mesmo aplicando-se à cenografia de Ana Teixeira e aos figurinos assinados por Stephane Brodt. A destacar também a vital participação de Carlos Bernardo, tanto no que diz respeito à música como à sua execução, fundamentais para o êxito desta montagem imperdível, que merece ser prestigiada de forma incondicional pelo público carioca.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 27 de março de 2008)
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"Beatles num céu de diamantes"
Inesquecível festa no Leblon
Lionel Fischer
Por razões que não cabe aqui explicitar, o fato é que os jovens estão indo cada vez menos ao teatro. No entanto, na saída do presente espetáculo, escutamos um curioso diálogo entre dois rapazes, ambos plenamente satisfeitos com o que haviam assistido. Mas um deles reclamou da ausência de algumas canções, no que o outro retrucou que uma seleção se impunha, pois se todas as músicas dos Beatles fossem apresentadas, atendendo ao desejo de todos os espectadores, a montagem duraria três dias. Então, o "reclamante" retrucou: "E daí? Teriam sido três dias maravilhosos".
E ambos tinham razão. Se por um lado é claro que seria inviável exibir toda a obra dos Beatles, por outro hipotécica maratona musical de 72 horas haveria de constituir uma experiência fascinante. E não apenas pela qualidade das músicas, mas também pela forma como foram apresentadas.
Em cartaz no Teatro do Leblon, "Beatles num céu de diamantes" chega à cena com direção de Charles Möeller, direção musical de Cláudio Botelho, roteiro de Cristiano Gualda e Möeller e elenco formado por Gottsha, Kacau Gomes, Marya Bravo, Tatih Höhler, Cristiano Gualda, Cristiano Penna, Fabrícia Negri, Jules Vandystadt, Raul Veiga e Rodrigo Cirne, acompanhados por Delia Fisher (piano), Luciano Corrêa (violoncelo) e Jonas Hammar (percussão).
Renunciando totalmente à palavra, o espetáculo prioriza as canções, em alguns momentos apenas cantadas e em outros apoiadas em uma encenação bastante simples, ora divertida, ora mais dramática, mas sempre em total sintonia com as letras e músicas. E neste particular reside o grande achado da montagem, pois esta não é um musical, no sentido óbvio do termo, mas também não fica limitada à convenção de um recital.
Contando com ótima direção musical de Botelho, inventivos arranjos de Delia Fisher e irretocável participação dos músicos, o espetáculo só não poderia dar certo se os cantores/atores não estivessem preparados para a tarefa que lhes foi incumbida. Mas como se dá o inverso, a platéia permanece em estado de puro encantamento e deixa o teatro com a certeza de haver participado de uma inesquecível festa.
No complemento da ficha técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo os arranjos vocais de Jules Vandystad, a direção de movimento de Möeller e Renato Vieira, a cenografia e os figurinos de Möeller e a expressiva iluminação de Paulo César Medeiros, esta última determinante no que diz respeito à valorização dos múltiplos climas emocionais em jogo.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 24 de abril de 2008)
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"Cheiro de chuva"
Versão sutil e delicada do amor
Lionel Fischer
Prestes a completar bodas, um casal procura uma professora de dança de salão, com o propósito de surpreender parentes e convidados na festa. A esposa, que não aparece em cena, acaba abandonando as aulas, mas o marido não. E fica evidente que uma grande atração, jamais explicitada, surgiu entre professora e aluno. Na última aula, ambos resolvem falar dos mútuos sentimentos, assim como do passado, através de uma forma que foge completamente ao previsível. Eis, em resumo, o enredo de "Cheiro de chuva", em cartaz no Espaço Café Cultural. Bosco Brasil assina texto e direção, estando o elenco formado por Tânia Costa e Marcello Escorel.
A peça fala muito das oscilações do tempo, com especial destaque para a chuva. Mas é claro que o autor não está interessado em considerações de natureza meteorológica, e sim, em valer-se
da chuva como catalisador de múltiplos sentimentos. O mesmo ocorre quando fala das nuvens, cujos variados desenhos podem suscitar infinitas sensações. E quando o tema recai na dança, esta não é explorada como óbvia possibilidade de, a partir de um contato físico tão próximo, surgir uma atração entre os que dançam, mas como algo capaz de sempre conter a possibilidade de um passo futuro, não previsto e jamais ensaiado.
Outra singularidade deste ótimo texto é sua estrutura narrativa, pois só raramente os personagens conversam de forma direta, em especial quando falam de si mesmos. Nestes momentos, é como se monologassem, como se apenas pensassem em voz alta, como se fosse impossível abrir inteiramente o coração para o outro.
Contando com direção sutil e delicada do autor, que aposta tudo na capacidade do elenco de materializar emoções tão tocantes como diversificadas, este espetáculo é, sem dúvida, um dos mais interessantes em cartaz. E logicamente muito de seu êxito se deve às irretocáveis performances de Tânia Costa e Marcello Escorel.
Além de revelarem ótima química, ambos se entregam por completo à tarefa de dar vida a personagens difíceis, posto que nada possuem de extraordinário e só muito raramente abandonam uma chave contida, mas nem por isso isenta de nuances. Para os que apreciam a arte de representar e conseguem peceber que grandes atuações não passam, necessariamente, por grandes gestos e contínuas variações vocais, a presente montagem torna-se obrigatória.
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo a austera e funcional cenografia de Bosco Brasil, a delicada iluminação de Paulo César Medeiros, a sensível trilha original de Rebello Alvarenga e a precisa direção de movimento de Cláudia Melle.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 01 de maio de 2008)
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"A forma das coisas"
Montagem imperdível no Sesc
Lionel Fischer
Embora todos saibamos que ninguém muda ninguém, ao menos em sua essência, resta a possibilidade de se alterar a aparência. E é o que Evelyn faz com Adam: pouco a pouco, a estudante de artes transforma o guarda do museu da faculdade, com quem inicia um namoro, em outra pessoa, supostamente melhor e mais atraente. E tal transformação acaba gerando conseqüências em Johnny e Diana, amigos de Adam. Mas estaria Evelyn sendo movida apenas pelo salutar desejo de ajudar alguém ou algo completamente inesperado estaria por trás de suas ações?
Lamentavelmente, tal pergunta não pode ser aqui respondida, pois isso privaria a platéia de uma surpresa desconcertante. Seja como for, no parágrafo acima está resumido, ao menos em sua aparência, o enredo de "A forma das coisas", do norte-americano Neil Labute. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem chega à cena com direção de Guilherme Leme e elenco formado por Pedro Osório, Carol Portes, André Cursino e Karla Dalvi.
O que nos parece mais extraordinário no presente texto é a compreensão que temos do mesmo em função de seu desfecho. Não fora ele, tudo se resumiria a uma história corriqueira, ainda que estruturada de forma interessante e habitada por personagens bem construídos. Mas seu final nos obriga a empreender uma série de reflexões, da maior pertinência, sobre o mundo em que vivemos.
Com relação ao espetáculo, Guilherme Leme impõe à cena uma dinâmica ágil, criativa e sofisticada, precisa no tocante ao ritmo e capaz de valorizar todos os conteúdos propostos pelo autor. Além disso, Leme consegue extrair ótimas atuações do elenco. Na pele de Evelyn, Carol Portes exibe carisma, forte presença cênica e notável capacidade de explorar todas as facetas de sua complexa personagem. A mesma e brilhante eficiência se faz presente na atuação de Pedro Osório, que expõe com precisão cirúrgica a "evolução" de seu personagem. Karla Dalvi também convence plenamente como a jovem ingênua, reprimida e submissa, com André Cursino conseguindo extrair o máximo de um papel mais limitado do que os demais.
Na equipe técnica, o grande destaque vai para a cenografia de Aurora Campos, composta de quatro pilastras brancas que, no decorrer da montagem, vão formando múltiplos ambientes, transformando a cena à medida que os personagens se transformam. Mas são também de altíssimo nível a luz de Maneco Quinderé, a tradução de Marcos Ribas de Faria, os figurinos de Sonia Soares e Tatiana Brescia, a trilha sonora de Marcelo H. e a preparação corporal de Marcos Damico, fundamentais para o êxito deste espetáculo simplesmente imperdível.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 19 de junho de 2008)
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"Ato sem palavras 1" / "A última gravação de Krapp"
Ótima versão de textos curtos de Beckett
Lionel Fischer
Novelista e autor dramático irlandês, Samuel Beckett (1906-1989) é considerado - ao lado de Adamov, Genet e Ionesco - um dos grandes autores do Teatro do Absurdo. Morando na França a partir de 1937, conquistou renome mundial com "Esperando Godot", que estreou em Paris em 1953. Com seus diálogos de frases curtas, cheias de humor seco e breves explosões líricas, que deixam entrever o abismo em que se movem os personagens, "Esperando Godot" é uma das obras-chave do teatro moderno. E alguns de seus principais temas - falta de comunicação entre os indivíduos, perda de identidade, investigação obsessiva da linguagem - também aparecem em suas obras seguintes, sendo as mais importantes "Fim de jogo" e "Dias felizes".
Mas além das já citadas obras-primas, Beckett escreveu peças curtas, como as que integram o presente espetáculo, em cartaz no Oi Futuro, direção assinada por Isabel Cavalcanti e interpretação a cargo de Sergio Britto. Em "Ato sem palavras 1", tudo gira em torno de um homem perdido em um deserto que tenta, inutilmente, saciar seus desejos de conforto e alimento - ele persegue a sombra de uma árvore e uma garrafa de água. Já em "A última gravação de Krapp", um velho consome seus dias ouvindo fitas em um gravador, registradas ao longo de toda a sua vida, eventualmente comentando-as.
Embora estruturadas de formas diversas, ambas as peças exibem os principais e já citados temas, a eles podendo ser acrescidos outros, como a solidão e a quase total impossibilidade de se converter a vida em algo menos árido, sendo a felicidade apresentada como uma quimera, impossível de se concretizar. No entanto, o curioso é que em meio a tanta amargura e desesperança, o autor não abdica do humor, ainda que muito particular.
Com relação à montagem, Isabel Cavalcanti aposta todas as suas fichas na força dos textos e na capacidade de Sergio Britto de interpretá-los. Assim, criauma dinâmica cênica seca e despojada, valendo-se apenas de elementos essenciais e de marcações em total sintonia com os contextos. E, mérito suplementar, extrai do ator uma atuação irrepreensível.
Aos 85 anos e 63 de carreira, Sergio Britto consegue materializar todos os conteúdos propostos, exibindo notável capacidade de entrega e sua habitual inteligência cênica. Sem dúvida, uma performance memorável, que merece ser prestigiada de forma incondiciomal.
Na equipe técnica, destacamos com entusiasmo o cenário de Fernando Mello da Costa, os figurinos de Ney Madeira, a tradução de Ângela Leite Lopes e sobretudo a iluminação de Tomás Ribas, sombria em "Krapp" e exacerbadamente solar em "Ato".
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 26 de agosto de 2008)
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"Traição"
Ótima encenação de Pinter no Solar
Lionel Fischer
Possivelmente o maior dramaturgo vivo e um dos expoentes do Teatro do Absurdo, o inglês Harold Pinter é autor de inúmeras obras-primas, dentre elas "O quarto", "O monta-carga", "Festa de aniversário", "Uma ligeira dor" e "O inoportuno". Valendo-se de diálogos magistrais e utilizando como principais temas a solidão, o medo, a incerteza existencial e a brutalidade das relações humanas, Pinter consegue criar um clima de angústia latente, pois sempre temos a sensação de que um perigo ronda a cena.
Aqui estamos diante de uma peça que tem, como tema central, a complexa relação entre dois amigos e a esposa de um deles, e cuja narrativa foge ao tradicional, já que o texto começa pelo final e vai retrocedendo no tempo. Em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo, "Traição" tem direção de Ary Coslov e elenco formado por Leonardo Franco, Isio Ghelman e Isabella Parkinson, com Marcelo Aquino fazendo breve e boa participação na pele de um garçon.
Como indica o título, a peça aborda o tema da traição. Mas sendo Pinter o autor que é, não se detém apenas no que a traição amorosa tem de mais óbvio, mas em outros aspectos bem mais relevantes, como a traição à amizade, a negação de valores essenciais, o cinismo, a falta de coragem de se expor abertamente etc. Tudo isso inserido em uma atmosfera de incerteza e latente agressividade.
Quanto ao espetáculo, Ary Coslov impõe à cena uma dinâmica isenta de inúteis mirabolâncias formais, priorizando o que de fato importa: a relação entre os personagens, a diversidade de climas e os angustiantes silêncios. Embora simples, suas marcações são sempre expressivas, sendo irretocável a forma como o encenador trabalha o ritmo. Além disso, Coslov extrai atuações maravilhosas do elenco.
Na pele do marido traído, Leonardo Franco exibe a melhor performance de sua carreira, valorizando ao extremo as principais características de seu personagem, um homem cuja inteligência equivale ao cinismo e pragmatismo com que lida com a adversa situação. Isio Ghelman também está impecável como o amigo que trai, expondo com grande sensibilidade um temperamento ao mesmo tempo apaixonado e frágil. A mesma excelência se faz presente na atuação de Isabella Parkinson, pois a atriz consegue materializar uma personalidade tanto angustiada e dividida como também nervosa e sedutora.
Com relação à equipe técnica, destacamos a ótima tradução de Isio Ghelman, a expressiva e funcional cenografia de Marcos Flaksman e a sensível iluminação de Aurélio de Simoni, sendo corretos os figurinos de Rô Nascimento e a trilha sonora assinada pelo diretor.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 02 de outubro de 2008)
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"Clandestinos"
Deliciosa comédia sobre o showbiz
Lionel Fischer
Quando o autor e diretor João Falcão anunciou, em maio deste ano, através de um site, que estava pretendendo criar uma companhia de jovens atores, recebeu 3 mil inscrições. Mais adiante, 400 foram selecionados para audições e, destes, restaram 30. Finalmente, oficinas determinaram a escolha dos 14 que participam de "Clandestinos", que marca a estréia da Cia. Instável de Teatro.
Em cartaz no Teatro Glória, "Clandestinos" chega à cena com texto e direção de João Falcão, estando o elenco formado por Adelaide de Castro, Alejandro Claveaux, Bruno Ferraz, Chandelly Braz, Deborah Wood, Eduardo Landim, Emiliana D'Ávila, Fábio Enrique, Giselle Batista, Hugo Leão, Luana Martau, Michelle Batista, Pedro Gracindo e Renata Guida - todos com idade entre 18 e 28 anos.
Tomando por base as histórias desses jovens artistas que vieram para o Rio de Janeiro em busca da grande chance, João Falcão escreveu uma comédia deliciosa, tendo como mola propulsora o personagem de um jovem autor que tenta escrever um texto. E o grande mérito de Falcão foi ter criado uma história que, aproveitando os sonhos daqueles que ainda estão fora do mercado, o ironiza de forma implacável, chegando a um produto final extremamente crítico, mas, ao mesmo tempo, muito engraçado e repleto de humanidade.
Com relação ao espetáculo, como de hábito Falcão cria uma dinâmica cênica altamente expressiva e diversificada, irretocável no tocante ao ritmo e que valoriza ao extremo tanto as passagens em que o humor predomina quanto aqueleas em que, imprevistamente, o lirismo se impõe de forma comovente. Sem dúvida, estamos diante de um dos melhores espetáculos da temporada, provavelmente o mais surpreendente e que merece ser prestigiado de forma incondicional pelo público carioca e, mais tarde, por platéia de outros estados.
No que se refere ao elenco, o mais prudente talvez fosse encarar os jovens intérpretes como gratas promessas. No entanto, optamos sem nenhum receio em afirmar que todos já reúnem condições para trilhar uma bela trajetória, desde que contem, evidentemente, com as bênçãos dos sempre caprichosos deuses do teatro.
No que diz respeito à equipe técnica, Sérgio Marimba responde por uma cenografia maravilhosa, em total sintonia com o texto. A mesma excelência se faz presente nos criativos e divertidos figurinos de Kika Lopes, na expressiva iluminação de Paulo Denizot e na ótima direção musical de Ricco Viana, cabendo também destacar a precisa direção de movimento de Duda Maia.
(crítica publicada no jornal Tribuna da Imprensa em 11 de novembro de 2008)
Nossa, queria muito ter assitido "A forma das coisas". Perdi. Quanto ao "Beatles num céu de diamantes" concordo com algumas coisas da sua crítica, mas a meu ver foi um espetáculo que não gostei. O que não cabe falar aqui, pois acho que já te contei. hahaha
ResponderExcluirBeijos Lionel!
(Francesa)