segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Razões para ser bonita"

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A tirania da beleza


Lionel Fischer


"O texto narra uma história marcante sobre a relação entre quatro amigos que demonstra quanto o padrão de beleza 'em voga' pode provocar angústias. Steph fica sabendo que seu namorado Greg comentou com um amigo que acha o rosto dela 'apenas comum'. Ela fica transtornada e termina a relação. A partir daí, uma sucessão de discussões e cenas bem humoradas faz com que Greg veja seu mundo desabar. Enquanto isso, Leo, o melhor amigo de Greg, acha o máximo namorar uma mulher linda, Carla, e ter um caso com uma menina mais jovem e ainda mais linda. Carla, que é amiga de Steph, enfrenta as dificuldades de ser uma mulher muito bonita".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Razões para ser bonita", do dramaturgo norte-americano Neil Labute, que acaba de entrar em cartaz no Teatro dos Quatro. João Fonseca assina a direção do espetáculo, estando o elenco formado por Ingrid Guimarães (Steph), Gustavo Machado (Greg), Marcelo Faria (Leo) e Aline Fanju (Carla).

Como se sabe, vivemos em um mundo que prioriza de forma absoluta a beleza, como se esta fosse um passaporte infalível para a felicidade. No entanto, da mesma forma que a beleza pode facilitar algumas coisas, pode também dificultar outras. No caso das relações amorosas, por exemplo: de que critérios uma mulher linda deve se valer para avaliar as intenções de um homem que dela se aproxima? Estaria ele apenas interessado no seu exterior, assim desprezando os mais preciosos encantos que alguém possui e que são inacessíveis aos olhos? Diante de uma tal questão, o Príncipe da Dinamarca certamente se poria a cismar...

Pessoalmente, estou inteiramente de acordo com o autor. E mais ainda porque, no presente texto, ele empreende pertinentes e divertidas reflexões sobre a tirania da beleza, que afeta tanto as mais lindas quanto aquelas que a natureza dotou de predicados físicos menos atraentes - em última instância, todas acabam reduzidas a faces de uma mesma moeda: as primeiras, por excesso; as outras, por carência. 

Muito bem escrito, contendo ótimos personagens e diálogos de notável fluência, "Razões para ser bonita" recebeu impecável versão de João Fonseca. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, o diretor teve a sabedoria de perceber que, num texto como este, o que realmente importa é o jogo entre os atores, o aprofundamento das questões dos personagens, muito mais do que inócuas mirabolâncias formais. E por ser um excelente diretor de atores e contar com ótimos profissionais, nada mais natural que consiga extrair do elenco performances irretocáveis.

Comediante por excelência, Ingrid Guimarães oferece ao público uma verdadeira aula no que concerne ao humor. Na maioria esmagadora das passagens em que provoca risos, estes resultam não de gracinhas inconsequentes, mas da capacidade da atriz de viver intensamente o drama (ao menos para ela) de ter "um rosto comum". Ou seja: Ingrid nada mais faz do que ressaltar a premissa básica do verdadeiro humor, que pressupõe o sofrimento de quem passa por uma situação incômoda, cabendo ao observador divertir-se com ela. Sendo a atriz que é, e com a experiência em comédia que possui, seria facílimo para Ingrid "ganhar o público" com trejeitos e maneirismos. Ao optar, no entanto, por levar a sério o que mais afeta a personagem, Ingrid Guimarães exibe um dos trabalhos mais marcantes da atual temporada.

Na pele de Greg, Gustavo Machado extrai todas as possibilidades do personagem, valorizando em igual medida tanto seu humor como sua perplexidade, insegurança e fragilidade. O mesmo se aplica a Marcelo Faria, que encarna de forma totalmente convincente o machão típico: um homem mulherengo, superficial, que trai sem qualquer remorso e cujas ambições praticamente se limitam à próxima mulher que levará para a cama. Vivendo Carla, Aline Fanju também exibe um trabalho de alta qualidade, cujo principal mérito está atrelado ao fato de transmitir, em justa medida, o desconforto da mulher linda que jamais tem certeza de que está sendo realmente amada, cabendo ressaltar a forma delicadamente melancólica que encontrou para realizar seu monólogo final, que explicita essa questão.   

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os excelentes trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Susana Garcia (tradução e adptação), Daniela Sanchez (iluminação), Fernando Mello da Costa (cenografia), Antonio Medeiros (figurinos), Ricardo Leão (produção musical) e Rose Gonçalves (preparação vocal).

RAZÕES PARA SER BONITA - Texto de Neil Labute. Direção de João Fonseca. Com Ingrid Guimarães, Marcelo Faria, Gustavo Machado e Aline Fanju. Teatro dos Quatro. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.


    

Um comentário:

  1. Propaganda enganosa
    Os espectadores têm o direito de saber, antes de pagar a entrada, que se trata de uma peça com roteiro desbocado somente usado em casas de prostituição, cais do porto e orgias. Nossos ouvidos não são pinico. Além de um roteiro para quem tem QI inferior a 20, a atriz sem demonstrar a menor vergonha, inicia a peça com uma apresentação de todos os palavrões que são conhecidos em antros morais, gratuitamente, tentando fazer o público mais ignorante rir de palavrões. Isso é propaganda enganosa. Paguei para ver teatro e tive que me retirar logo no início para não vomitar. Nosso teatro que já foi brilhante não merece isso.

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