sábado, 15 de fevereiro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Eu, o Romeu e a Julieta"


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Hilária e comovente versão de um clássico



Lionel Fischer



"Eu, o Romeu e a Julieta narra de maneira atualizada, irreverente e divertida a clássica história de amor de Romeu e Julieta. Nesta versão, a narrativa acontece através dos olhos de uma criança, que conta apenas com dois atores para construir sua história: um ator já com seus 50 anos que tenta fazer o personagem de Romeu desde que começou a sua carreira e uma atriz inexperiente que sonha com o sucesso".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo do oitavo espetáculo da Cia. das Inutilezas, em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc. Emanuel Aragão assina o texto (criado a partir da obra de Shakespeare) e a direção da montagem, estando o elenco formado por Adriano Garib, Antonio Rabello e Marina Provenzzano - Liliana Rovaris tem brevíssima e segura participação.

Estruturado em cima das quatro cenas do texto original que exibem a relação direta entre os personagens (o primeiro encontro, as juras de amor, o pacto e a despedida), a peça tem um comovente atrativo adicional: os pais do menino se separaram recentemente e ele aguarda o retorno do pai no Natal (o que não acontece) e depois fica na expectativa de que ele regresse no Carnaval - o que provavelmente não acontecerá. 

Então, o autor exibe as cenas em que os atores ensaiam os papéis e ao mesmo tempo trabalha o envolvimento amoroso entre ambos. Este, ao que tudo indica, terá como desfecho a separação, tal como ocorre na ficção shakespeariana. Mas por não concordar com isso, como não se conformou com a separação dos pais, o menino cria um desfecho surpreendente...

Além de extremamente original, esta proposta permite não apenas que se conheça as principais cenas que envolvem Romeu e Julieta, mas também possibilitam ao espectador uma sensível reflexão sobre muitas das razões que entravam as relações amorosas, em especial aquelas oriundas do medo de amar - acredito que todos nós já estivemos em um contexto totalmente favorável ao amor e no entanto o renegamos, provavelmente porque, na condição de neuróticos, nos assustamos mais com a felicidade do que com a ausência dela. 

Bem escrito, contendo ótimos personagens, exibindo irresistível humor e doses equivalentes da mais pura emoção, o texto recebeu excelente versão cênica do autor. Através de marcas diversificadas e criativas, e trabalhando com grande ousadia os tempos rítmicos - aqui cabe ressaltar a maravilhosa cena em que os personagens, em um momento de impasse, fumam em absoluto silêncio, sem nenhuma música de fundo para reforçar o clima - Emanuel Aragão cria uma encenação que cativa o espectador desde o início, sendo imperioso destacar a parte final do espetáculo, estruturada através de inusitados vídeos. E ao diretor deve também ser creditado o fato de haver extraído ótimas atuações do elenco.

Na pele do Ator, Adriano Garib exibe uma das melhores performances de sua carreira. O intérprete materializa, de forma magnífica, uma personalidade marcada pela hesitação, pela permanente dúvida, por uma constante e hilária necessidade de desculpar-se, e ao mesmo tempo valoriza de forma irretocável a solidão e a desesperada ânsia de amar do personagem.

A mesma eficiência se faz presente na atuação de Marina Provenzzano, que delineia com absoluta clareza a curva emocional da personagem - de início, a Atriz parece perceber toda a aflição do Ator e com ela se diverte; mais adiante, no entanto, ao se sentir atraída por ele e diante da iminente separação, impõe a seu desempenho conotações de alta dramaticidade. 

Finalmente, o jovem ator Antonio Rabello, de apenas 12 anos, é uma comovente revelação. Atuando como narrador e construtor da cena - é ele quem organiza a cenografia, eventualmente dispõe as luzes e de vez em quando se relaciona com os outros personagens -, Antonio conduz o espetáculo com segurança e emoção. E como é um menino lindo, que em tudo se assemelha a um príncipe, torna-se impossível não amá-lo e respeitar seu excelente trabalho. Assim só me resta desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem sua trajetória artística. 

Na equipe técnica, Antonio Pedro Coutinho responde por criativa cenografia, a mesma criatividade presente na expressiva iluminação de Isadora Petrauskas, nos figurinos de Liliane Rovaris e na trilha sonora de Alex Tolkmit, que muito contribuem para o sucesso deste ótimo espetáculo teatral, sem dúvida dos mais brilhantes da atual temporada.

EU, O ROMEU E A JULIETA - Texto e direção de Emanuel Aragão. Com Adriano Garib, Antonio Rabello e Mariza Provanzzano. Sala Mezanino do Espaço Sesc. Quarta a sábado, 21h. Domingo, 19h30. 




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