segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Preciso andar"

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Ótimo texto em excelente versão


Lionel Fischer



Da mesma forma que navegar pressupõe o embate com imprevistos temporais, o ato de viver implica necessariamente na existência de crises, cuja superação nos leva a prosseguir em nossa caminhada muito mais fortalecidos. E aqui todos os personagens estão passando por um momento em que decisões precisam ser tomadas. 

Casados há muito tempo, Liz e Alan vivem o seguinte impasse: ela não se conforma com o fato de o marido querer obstinadamente fazer sexo, a seu ver priorizando apenas a mecânica do ato, e por isso busca refúgio numa paixão do passado, Estevão, colega de faculdade. Inconformado, Alan acaba se relacionando com uma colega de trabalho muito mais jovem (Clara). Mas Estevão também vive uma crise com a esposa, enquanto Clara evidencia não se conformar em ser mero objeto sexual de Alan.

Ao mesmo tempo, o adolescente Léo, filho do casal, pretende conquistar uma jovem um pouco mais velha. No entanto, exasperado com sua inexperiência em questões relativas ao sexo, pede ajuda à sua amiga Michelle, que após exibir alguma hesitação, se dispõe a iniciá-lo. 

Eis, em resumo, o contexto de "Preciso andar", do jovem e premiado dramaturgo britânico Nick Payne. Em cartaz na Sede das Cias, o texto chega à cena com direção de Ivan Sugahara e elenco composto por Beatriz Bertu, Cristina Lago, Fábio Cardoso, Otto Jr., Suzana Nascimento e Tárik Puggina.

Como dito acima, todos os personagens passam por um momento em que precisam dar um novo rumo às suas vidas. E mesmo que abstendo-se de criar para todos eles um final feliz, o autor conduz a trama no sentido de priorizar o que lhe parece essencial, como implícito no título da obra: a necessidade premente de caminhar, de não se conformar com um presente sufocante e assim correr os riscos que se impõem quando se almeja atingir algo ao menos próximo do que se convencionou chamar de felicidade.

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e cenas de grande teatralidade, "Preciso andar" recebeu ótima versão cênica de Ivan Sugahara. Valendo-se de marcas diversificadas e criativas, grande precisão rítmica e uma aguda percepção da psicologia de cada personagem, o encenador exibe o mérito suplementar de haver extraído irretocáveis atuações de todo o elenco.

Na pele de Alan, Otto Jr. consegue materializar tanto o lado mais óbvio do personagem - sua desesperada ânsia sexual - quanto a angústia decorrente de sua frustração. Neste sentido, humaniza o personagem, trabalhando maravilhosamente sua fragilidade, fruto de uma rejeição que não entende e que o transtorna. Sem dúvida, um ótimo desempenho de um ator que é um dos melhores de sua geração a atuar no teatro carioca.

A mesma eficiência se faz presente na performance de Suzana Nascimento. Não fosse a atriz que é, Suzana poderia converter Liz numa mulher de patológica frigidez. No entanto, a intérprete valoriza com grande sensibilidade um componente feminino que a maioria dos homens se recusa a entender, ou seja, que o ato sexual não se resume à maior ou menor eficiência de uma penetração, mas que implica muito mais numa total comunhão de almas. Cabe também registrar que, numa passagem em que o humor predomina, a atriz está absolutamente hilariante.

Tárik Puggina também exibe um trabalho irrepreensível vivendo o atabalhoado e sôfrego Estevão, o mesmo podendo ser dito de Cristina Lago em sua atuação como a sensual e aparentemente disponível Clara. Beatriz Bertu e Fábio Cardoso fazem um casal jovem encantador, valorizando de forma irretocável tanto as passagens mais engraçadas quanto aquelas em que o mútuo desnorteamento é a tônica. 

Na equipe técnica, destaco com grande entusiasmo a despojada e teatral cenografia de Aurora dos Campos, sendo eficientes os figurinos de Ticiana Passos e a iluminação de Tomás Ribas. Cabe ainda elogios especiais para a preparação vocal de Rose Gonçalves, para a direção de movimento de Paula Maracajá e para a ótima tradução de Gustavo Klein.

PRECISO ANDAR - Texto de Nick Payne. Direção de Ivan Sugahara. Com Beatriz Mertu, Cristina Lago, Fábio Cardoso, Otto Jr., Suzana Nascimento e Tákik Puggina. Sede das Cias. Sexta a segunda, 20h.

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