quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Depois do Ensaio"

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Belíssima reflexão sobre o teatro



Lionel Fischer



"Henrik Vogler, diretor de teatro experiente e perfeccionista, ensaia a peça O Sonho, de Strindberg. Depois de uma tarde de trabalho, ele está cochilando no palco quando volta ao teatro sua jovem protagonista, Anna, com a desculpa de procurar uma pulseira perdida. Durante o que seria uma conversa casual, surge uma avalanche de revelações pessoais, que vão transformando o texto em obra confessional. Em uma licença poética, ou num devaneio, ou mesmo em um sonho, mais adiante surge Raquel, mãe de Anna, que no passado interpretou o papel que hoje é da filha".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e o contexto de "Depois do ensaio", de autoria de Ingmar Bergman. Escrita em 1980, quatro anos depois a peça foi transformada em filme para a televisão. A presente montagem, em cartaz no Oi Futuro, leva a assinatura de Mônica Guimarães, estando o elenco formado por Denise Weinberg (Raquel), Leopoldo Pacheco (Vogler) e Sophia Reis (Anna).

Embora Ingmar Bergman (1918-2007) tenha passado à História como um dos maiores cineastas de todos os tempos, nem por isso deixou de ser também um brilhante diretor teatral, tendo se dedicado ao palco por mais de 50 anos. E esta obra é, fundamentalmente, uma belíssima reflexão sobre o teatro - a função do diretor, sua relação com os atores, os processos criativos, os encontros e desencontros de uma arte cujo caráter efêmero é sua máxima potência e, ao mesmo tempo, fonte de inenarráveis angústias.

E a estrutura narrativa adotada por Bergman reforça de forma brilhante o caráter lúdico e mágico do teatro, pois jamais se chega a saber, com absoluta certeza, se alguns episódios aconteceram da forma como estão materializados (como a relação de Vogler e Raquel, esta última supostamente já falecida) ou se tudo se resume a um devaneio do diretor semi-adormecido. Assim, o espectador é convidado não a racionalizar sobre o que assiste, mas a liberar sua fantasia e deixar-se encharcar pela poesia do palco que, no presente caso, encontrará um campo muito mais fértil não na inteligência ou cultura do espectador, mas em seu inconsciente.   

Com relação ao espetáculo, Mônica Guimarães impõe à cena uma dinâmica bem mais forte e significativa nas passagens que envolvem Vogler e Raquel. E isto se dá não apenas porque aí suas marcas são mais criativas e intensas, mas também em função da maravilhosa contracena que estabelecem Leopoldo Pacheco e Denise Weinberg. Neste segmento, o ator exibe performance tocante, revela toda a angústia e paixão do personagem, com Denise Weinberg materializando (de forma brilhante, como sempre) todas as nuances de uma personalidade atormentada, mas nem por isso destituída de potência e corrosiva ironia.

Em contrapartida, nas passagens, digamos, supostamente reais, os embates se dão de forma bem menos sedutora. E isto se deve, fundamentalmente, à enorme defasagem de experiência entre o ator e a atriz. Ainda muito jovem, Sophia Reis tem excelente físico para o papel e percebe-se que o compreendeu perfeitamente. No entanto, ainda carece de uma voz mais trabalhada e de um corpo cênico mais expressivo, predicados que certamente poderá adquirir com o passar do tempo, pois acredito que talento não lhe falta. Mas tais lacunas a impedem de estabelecer uma contracena de igual para igual com um ator do porte de Leopoldo Pacheco, que neste segmento praticamente concentra em si todo o interesse.

Na equipe técnica, destaco com entusiasmo a irrepreensível tradução de Amir Labaki e Humberto Saccomandi, sendo igualmente irretocáveis a música original de Marcelo Pelegrini, a cenografia de Marco Lima e a iluminação de Wagner Freire.

DEPOIS DO ENSAIO - Texto de Ingmar Bergman. Direção de Mônica Guimarães. Com Denise Weinberg, Leopoldo Pacheco e Sophia Reis. Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h.   

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