segunda-feira, 9 de março de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Salina - a última vértebra"

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Belíssima montagem no Espaço Sesc



Lionel Fischer



"Salina conta a saga da personagem que dá nome ao espetáculo. Casada à força e violada por seu marido, ela dá à luz a Mumuyê Djimba, um filho que ela detesta tanto quanto ao pai. Acusada de deixar o esposo morrer agonizante no campo de batalha, Salina é banida de sua cidade. Exilada no deserto, ela alimenta seu desejo de vingança. Da sua ira, nasce Kwane, que trava uma guerra com seu irmão, Djimba, até que uma reviravolta surpreendente acontece no destino de Salina".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Salina - a última vértebra", de autoria do romancista e dramaturgo francês Laurent Gaudé. Em cartaz no Espaço Sesc, esta mais nova produção do Amok Teatro chega à cena com direção de Ana Teixeira e Stéphane Brodt, estando o elenco formado por André Lemos (Saro Djimba e Mumuyé Djimba), Ariane Hime (Salina), Graciana Valladares (Sowumba), Luciana Lopes (Mama Lita), Reinaldo Junior (Kwane M'krumba), Robson Freire (Oráculo), Sergio Ricardo Loureiro (Sissoko Djimba), Sol Miranda (Alika), Tatiana Tibúrcio (Khaya Djimba) e Thiago Catarino (Kano Djimba).

Em belo texto que consta do programa distribuído ao público, o autor diz, entre outras coisas, que seria mais razoável escrever uma peça com menos personagens, menor duração, em formato mais comportado etc. Mas acredita que peças como esta não devem deixar de ser escritas. De minha parte, concordo plenamente, e pelas razões que se seguem.

Quanto ao número de personagens, sem dúvida é mais fácil produzir uma peça com dois ou três atores. Com relação ao tempo de duração, o que importa não é o tempo cronológico, mas o tempo do interesse. E no que se refere a um formato mais comportado, cumpre registrar que o teatro não pode ser bem comportado, pois então não seria teatro. Haveria, no máximo, de converter-se em couvert de inevitáveis pizzas.

No presente caso, estamos diante de um texto que, mesclando elementos da tragédia grega e da epopeia africana (tal avaliação consta do release), faculta ao público a rara oportunidade de empreender profunda reflexão sobre a condição humana, os desejos e aspirações mais sublimes do indivíduo, assim como aspectos mais obscuros de sua alma. E dado o seu caráter universal, pouco importa que a ação ocorra em uma África imaginária, pois o que está em causa é o homem. 

Com relação ao espetáculo, este reafirma as muitas e preciosas qualidades do Amok Teatro, tais como: capacidade de produzir belíssimas e poderosas imagens cênicas, cuja expressividade é capaz de exprimir significados que até mesmo dispensam o texto articulado; uma grande coragem no tocante aos tempos rítmicos, que sempre atendem às necessidades do espetáculo e jamais a exigências de espectadores que  priorizam a ridícula urgência da contemporaneidade;  e finalmente (paro por aqui, ainda que pudesse me estender bem mais) cumpre destacar a capacidade de Ana Teixeira e Stéphane Brodt de fazer com que seus atores entendam os personagens não apenas intelectualmente, mas também fisicamente, daí advindo composições de extraordinária riqueza gestual. Sob todos os pontos de vista, estamos diante da mais inquietante, bela e poderosa montagem da atual temporada.

E já que acabei de falar em atores, é claro que poderia particularizar algumas performances, em especial dos protagonistas. Mas a força e unidade do conjunto são de tal ordem que julgo mais justo e oportuno enaltecer o trabalho coletivo, assim como agradecer a todos a maravilhosa noite que me proporcionaram. E estou absolutamente certo de que todos que comparecerem ao Espaço Sesc haverão de nutrir os mesmos sentimentos, o que me leva a desejar uma longa carreira para esta montagem tão essencial.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as maravilhosas contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Fábio Simões Soares (música e confecção de instrumentos)), Renato Machado (iluminação), Tatiana Tibúrcio (coreografias), Teixeira e Brodt (cenografia e figurino), Maria Adélia (confecção dos bonecos) e Ana Teixeira (tradução). A destacar também as belíssimas fotos de Vanessa Dias, que constam do programa, assim como a programação visual de Paulo Barbosa Lima.

SALINA - A ÚLTIMA VÉRTEBRA - Com o Amok Teatro. Direção de Ana Teixeira e Stéphane Brodt. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 19h30. Domingo, 18h30.  



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