quarta-feira, 13 de maio de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Contra o vento - um musicaos"

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Montagem imperdível no CCBB



Lionel Fischer



"A peça conta a história de um diário (fictício) que teria sido encontrado na demolição do Solar da Fossa. Este diário tem, presas à sua capa, somente as páginas do início em 1967 e do final em 1969, pois todo o conteúdo do meio está espalhado por entre páginas soltas e desordenadas. Por isso as histórias da peça não seguem numa ordem cronológica, e o espetáculo pode acontecer a cada dia em uma ordem diferente. Para decidir essa ordem haverá uma votação feita pelo público no início de cada apresentação".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima explicita a premissa dramatúrgica e a forma como se dá cada espetáculo - mais adiante falarei um pouco sobre o Solar da Fossa. De autoria de Daniela Pereira de Carvalho, o texto chega à cena (Teatro I do CCBB) com direção de Felipe Vidal e elenco formado por Adassa Martins (D. Jurema), Clarisse Zarvos (Ana), Felipe Antello (Tavares), Gui Stutz (Claudio), Guilherme Miranda (Caos), Izak Dahora (Betinho), Jefferson Almeida (Rômulo/Romina), Julia Bernat (Rita), Julie Wein (Laura), Laura Becker (Maria), Leonardo Corajo (Leo), Luciano Moreira (Tonico/Velho Aposentado) e Tainá Nogueira (Clarice, dona do diário).

O Solar da Fossa era um casarão situado em Botafogo onde hoje fica o Shopping Rio Sul. Funcionava como pensão e abrigou dezenas de artistas, ainda desconhecidos, como Caetano Veloso, Gal Costa, Tim Maia e Paulo Coelho. Palco de histórias memoráveis, o Solar tem aqui sua história recriada (em termos ficcionais) e ao mesmo tempo a autora oferta ao público uma divertida visão do movimento tropicalista. E como o país vivia os tenebrosos Anos de Chumbo, Daniela Pereira de Carvalho inseriu dolorosas passagens abordando fatos inerentes à escabrosa ditadura militar. 

Dividido em três blocos - "Panis et circencis", "Sinal Fechado" e "Três da madrugada" -, o texto presta emocionado tributo aos artistas (aqui, mais especificamente, aos ligados à musica) que tiveram a coragem de enfrentar o autoritarismo e se dispuseram a romper com todas as regras e propor novos caminhos, tanto em termos de criação quanto de postura perante a vida. 

Exibindo ótimos personagens, diálogos fluentes e uma narrativa que prende a atenção do público desde o início, "Contra o vento" recebeu esplêndida direção de Felipe Vidal. A começar pelo olhar coloquial que impõe à cena, totalmente despida de grandiloquentes empostações, o que certamente gera um clima de familiaridade com que todos se identificam. Tudo transcorre em uma atmosfera tão engenhosamente construída que se torna absolutamente natural a fusão do texto com as canções, treze das quais (em um total de 21) compostas por Vidal em parceria com Luciano Moreira, em sua maioria belíssimas.

Mas os méritos de Felipe Vidal vão além. Valendo-se de marcações imprevistas e criativas, o encenador extrai grande expressividade tanto das passagens mais divertidas quanto daquelas em que a dramaticidade predomina. E, como se não bastasse, ainda contribui decisivamente no tocante às maravilhosas performances de todo o elenco, impecável na elocução do texto, nas partes cantadas e na execução de uma infinidade de instrumentos. Sem sombra de dúvida, Felipe Vidal materializa aqui a melhor direção de sua carreira.

Na equipe técnica, considero brilhantes as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marcelo Alonso Neves (direção musical), cabendo aqui destacar o deslumbrante arranjo para "Portas abertas", Mona Vilardo (preparação e arranjos vocais), Renata Jambeiro (preparação corporal e direção de movimento), Aurora dos Campos (cenografia), Flávio Souza e Raquel Theo (figurinos), Tomás Ribas (iluminação), Eduardo Souza e Paulo Caetano (videografismo e programação visual), Daniele Avila Small (interlocução crítica) e Juliana Mendes (visagismo).

CONTRA O VENTO - UM MUSICAOS - Texto de Daniela Pereira de Carvalho. Direção de Felipe Vidal. Uma realização do Complexo Duplo e Fomenta Produções. Com Julia Bernat, Julie Wein e grande elenco. Teatro I do CCBB. Quarta a domingo, 19h.



   

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