quarta-feira, 25 de julho de 2012

Exercío 12
(para trabalho individual)

Michael Chekhov


          Decida primeiro quais são os momentos iniciais e finais de sua improvisação. Devem ser segmentos bem definidos de ação. No começo, por exemplo, você pode levantar-se rapidamente de uma cadeira e, com firmeza de tom e gesto, dizer: "Sim", enquanto no momento final pode deitar-se, abrir um livro e começar a ler tranquilamente. Ou poderá começar vestindo alegre e apressadamente sobretudo, chapéu e luvas, como se pretendesse sair, e terminar sentando-se com ar deprimido e talvez até com lágrimas. Ou ainda começar olhando por uma janela com expressão de medo ou grande apreensão, tentando esconder-se atrás da cortina e depois, exclamando: "Aí está ele de novo!", recuar da janela; para o momento final, poderá tocar piano (real ou imaginário) num estado de espírito muito feliz e até folgazão. E assim por diante. Quanto maior for o contraste entre os momentos iniciais e finais melhor.

          Não tente prever o que irá fazer entre esses dois momentos escolhidos. Não procure encontrar nenhuma justificação ou motivação lógica para os próprios momentos iniciais e finais. Escolha-os ao acaso. Escolha quaisquer duas coisas que lhe venham primeiro à cabeça e não porque sugerem ou enquadram uma boa improvisação. Apenas um começo e um final contrastantes, nada mais.

          Não tente definir o tema ou o enredo. Defina somente o estado de espírito ou os sentimentos nesse início e nesse final. Depois entregue-se a quaisquer sugestões momentâneas que lhe ocorram por intuição pura e simples. Assim, quando você se levantar e disser "Sim" - se for esse o início que escolheu - começará livremente e com plena confiança em si mesmo a "atuar" de acordo principalmente com seus sentimentos, emoções e estados de espírito.

           A parte intermediária, toda a transição do ponto de partida para o de chegada, é o que você improvisará.

          Deixe que cada momento sucessivo de sua improvisação seja um resultado psicológico (não lógico!) do momento que o precedeu. Assim, sem nenhum tema previamente cogitado, você avançará do momento inicial para o final improvisando o tempo todo. Assim procedendo, passará por toda a gama de diferentes sensações, emoções, estados de ânimo, desejos, impulsos interiores, situações, tudo isso descoberto por você espontaneamente, no próprio instante, por assim dizer. Talvez você fique indignado, depois pensativo, logo irritado, talvez passe pelas fases de indiferença, humor, alegria, ou talvez escreva uma carta, tomado de grande agitação, ou vá até o telefone e fale com alguém, ou qualquer outra coisa.

          Toda e qualquer possibilidade lhe estará aberta, de acordo com seu estado de ânimo num dado momento ou de acordo com as coisas acidentais com que possa deparar-se durante a improvisação. Tudo o que tem a fazer é escutar essa "voz interior" que instiga todas as mudanças de sua psicologia e todas as situações a que recorre. Seu subconsciente sugerirá coisas que não podem ser previstas por ninguém, nem mesmo por você, se obedecer apenas, livre e completamente, à inspiração de seu próprio improvisador. Com o momento final presente em sua imaginação, você não ficará andando à deriva interminavelmente mas será constante e inexplicavelmente atraído para ele. O desfecho avultará a sua frente como uma luz orientadora e magnética.

          Continue exercitando-se desse modo, estabelecendo a cada vez um novo começo e um novo fim, até já sentir plena confiança em si mesmo, até já não precisar parar  conjecturar acerca das coisas a fazer entre o início e o final.

          Poderá intrigá-lo por que o começo e o fim desse exercício, sejam eles quais forem, têm de ser clalamente definidos logo de início. Por que razão o que você está fazendo, ou a posição de seu corpo e o estado de espírito, devem ser estabelecidos no começo e no final, enquanto à improvisação intermediária é permitido que flua espontaneamente? Porque a real e verdadeira liberdade na improvisação deve basear-se sempre na necessidade; caso contrário, não tardará a degenerar em arbitrariedade ou indecisão. Sem um começo definido para impelir suas ações e sem um final definido para completá-las, você ficaria apenas divagando à deriva. Seu senso de liberdade seria destituído de qualquer significado, sem um lugar de partida ou sem rumo ou destino.

          Quando ensaia uma peça, você se depara naturalmente com um grande número de "necessidades" que exigem sua atividade e capacidade de ágil improvisação -  o enredo, as falas, o ritmo, as sugestões do autor e do diretor, o desempenho dos outros elementos do elenco - tudo isso determina as necessidades e a duração variável dos períodos entre elas, a que você deverá acomodar-se. Portanto, a fim de se preparar para tais condições profissionais e estar apto a adaptar-se a elas, você desenvolve seu exercício estabelecendo necessidades ou limitações similares.

          No início, além dos momentos exatos de começo e fim, defina também como uma das necessidades a duração aproximada de cada exercício. Para o trabalho sozinho, cerca de cinco minutos são suficientes para cada improvisação.

          Em seguida, adicione aos mesmos pontos de partida e conclusão mais um ponto (necessidade), aproximadamente no meio da improvisação. Esse ponto adicional pode ser um segmento de ação tão definido, com sentimentos, estados de ânimo ou emoção determinados, quanto o início e o fim.

          Agora avance do começo para esse ponto intermédio e deste para o final, do mesmo modo que você uniu os dois pontos anteriores, mas tente não gastar neles mais tempo do que antes.

          Pouco depois, acrescente mais um ponto onde quiser e realize sua improvisação passando agora pelos quatro pontos, aproximadamente na mesma quantidade de tempo que levou para passar apenas por dois.

          Continue adicionando cada vez mais pontos entre o começo e o final. Escolha-os todos ao acaso e sem nenhuma tentativa de coerência ou seleção lógica; deixe essa tarefa para a sua psicologia improvisadora. Mas nessa variação do exercício não adote, a cada vez, um novo começo e um novo final.

          Tendo assim acumulado um suficiente número de pontos e feito sua ligação satisfatória com outros tantos passos entre o começo e o desfecho da improvisação, você pode começar agora a impor-se novas necessidades ainda de um outro modo: tente interpretar a primeira parte num ritmo lento e a última num ritmo rápido; ou tente criar uma certa atmosfera a sua volta e mantê-la, seja numa seção escolhida, seja na improvisação inteira.

         Você pode então acumular mais necessidades na improvisação mediante o uso de diferentes qualidades, como os movimentos de modelar, voar, flutuar ou irradiar, separadamente ou em qualquer combinação que deseje fixar para si mesmo; ou pode até tentar a improvisação com várias caracterizações.

          Mais tarde, pode imaginar um cenário definido em que tem de improvisar; depois, a localização do público; e, enfim, definir se sua improvisação é tragédia, drama, comédia ou farsa. Tente improvisar também como se estivesse representando uma peça de época e, nesse caso, vista uma roupa imaginária do período escolhido. Todas essas coisas servirão como necessidades adicionais, com base nas quais desenvolverá sua livre improvisação.

          Espera-se que, apesar de todas as novas e variáveis necessidades que você introduz, um certo padrão de enredo se insinue inevitavelmente em sua improvisação. Para evitar que isso ocorra durante seus exercícios, você pode, depois de algum tempo, tentar transpor o começo e o final; mais tarde, pode também mudar a ordem dos pontos na seção intermédia.

          Quando tiver esgotado essa série de combinações, recomece todo o exercício com um novo princípio e um novo fim, e com todas as espécies de necessidades; e, como antes, sem nenhum enredo premeditado.

          O resultado desse exercício é que você desenvolve a psicologia de um ator improvisador. Reterá essa psicologia enquanto passa por todas as necessidades que escolheu para a sua improvisação, independente de seu número. Mais adiante, quando ensaiar e desempenhar seu papel no palco, sentirá que as falas que tem de dizer, as coisas que tem de fazer e todas as circunstâncias que lhe são impostas pelo autor e o diretor, e até pelo enredo da peça, o conduzirão e dirigirão, assim como as necessidades que encontrou para seu exercício.

          Não notará nenhuma diferença substancial entre o exercício e seu trabalho profissional. Assim, acabará vendo corroborada sua convicção de que a arte dramática nada mais é do que improvisação constante, de que não existem momentos no palco em que um ator possa ser privado de seu direito de improvisar. Você estará apto a preencher todas as necessidades que lhe são impostas e, ao mesmo tempo, a preservar seu espírito de ator improvisador. A recompensa para todos os seus esforços será uma nova e gratificante sensação de completa confiança em si mesmo, a par de uma sensação de liberdade e riqueza interior.

           Os exercícios para o desenvolvimento da capacidade de improvisação também podem e devem ser empregados em conjuntos de dois, três ou mais colegas de elenco. E, embora esses exercícios sejam, em princípio, os mesmos que para o indivíduo, existe, entretanto, uma diferença essensial a ser considerada.

          A arte dramática é uma arte coletiva e, portanto, por mais talentoso que seja o ator, ele será incapaz de fazer pleno uso de sua capacidade para improvisar se se isolar do conjunto, do grupo formando por seus colegas de elenco.

          É claro que existem muitos impulsos unificadores no palco, como a atmosfera da peça, seu estilo, uma performance bem executada ou uma encenação excepcionalmente impecável. E, no entanto, um verdadeiro conjunto teatral necessita de algo mais que essas consolidações ordinárias. O ator deve desenvolver em seu íntimo uma sensibilidade para os impulsos criativos dos outros.

         Um conjunto improvisador vive num constante processo de dar e receber. Uma pequena indicação de um parceiro - um olhar, uma pausa, uma entonação nova ou inesperada, um movimento, um suspiro ou mesmo uma mudança quase imperceptível de ritmo - pode converter-se num impulso criativo, num convite aos outros para que improvisem.
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Extraído de Para o Ator, cap. 3, Improvisação e Conjunto. Editora Martins Fontes, SP, tradução de Álvaro Cabral.

           





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