Teatro/CRÍTICA
"euÉumoutro"
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Uma estadia na dúvida
Lionel Fischer
"Em cena, cinco atores ensaiam uma peça em que três planos de ação se justapõem, todos ancorados na figura mítica de Arthur Rimbaud, poeta que escreveu sua obra-prima aos 19 anos e morreu aos 37, tendo abandonado toda a criação artística no intervalo. Um fio - desencapado e delicado, mas caudaloso: a poesia de Rimbaud - une personagens dos séculos XIX, XX e XXI em torno de ideias e anseios diversos e complementares. No século XIX, acompanhamos a história de Rimbaud: suas lembranças de infância, seu desajuste na cidade grande, seu desejo de reformular a arte da poesia e seu encontro de furiosa paixão com Paul Verlaine. No conturbado terço final do século XX, encontramos, no Brasil da ditadura, Beatriz, tradutora, mergulhada na versão para o português de Une Saison en Enfer e às voltas com a realidade sufocante da ditadura militar. No século XXI, Jamal, um jovem francês de origem árabe, queima os ônibus nos subúrbios de Paris, revoltado com o desemprego e o desajuste social".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "euÉumoutro", livremente inspirado na vida e na obra de Rimbaud. Pedro Brício responde pela dramaturgia, que incorpora trechos de poemas, poemas em prosa e correspondências escritas por Arthur Rimbaud. Em cartaz no Teatro Poeirinha, a montagem leva a assinatura de Isabel Cavalcanti, estando o elenco formado por Alcemar Vieira, Ana Abbott, André Marinho, João Velho e Lorena da Silva.
Como se depreende do parágrafo inicial, estamos diante de três histórias independentes mas que, em alguma medida, devem (ou deveriam) relacionar-se, seja por suas semelhanças, seja por suas diferenças. No entanto, e por mais que tenha me esforçado para conferir algum sentido a esta proposta, sou forçado a admitir que não o encontrei. Ao mesmo tempo, torna-se óbvio para mim que Pedro Brício poderia ter optado por escrever apenas uma narrativa ao invés de três mescladas. E, se não o fez, certamente objetivou algo que acabo de admitir que me escapou - mas isso não significa, obviamente, que os espectadores estabeleçam com o espetáculo a mesma relaçao que tive para com ele; trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
A história da tradutora, por exemplo. Ela é uma mulher empenhada em fazer com que sua tradução de Une Saison en Enfer venha a ser publicada. Mas o livro acaba sendo proibido pela censura dos anos de chumbo. Isto daria uma peça? Sem dúvida. O mesmo se aplica à história do jovem árabe que incendeia ônibus nos subúrbios de Paris, revoltado com o desemprego e que chega a cometer um assalto.
No primeiro caso, o autor, se o desejasse, poderia empreender uma pertinente reflexão sobre os horrores perpetrados pela ditadura contra o país, de uma maneira geral, e contra a cultura, especificamente; no segundo, poderia debruçar-se sobre o grave problema que assola a França no tocante ao desemprego, fruto, dentre outras razões, do grande número de imigrantes em busca de oportunidades.
Entretanto, tais temas, em função da fragmentada estrutura narrativa escolhida, são apenas esboçados, ao invés de trabalhados com maior profundidade. Com relação às passagens em que Rimbaud é o foco principal, aí sim o autor oferece ao público um retrato pertinente daquele que talvez seja o mais precoce gênio da poesia que já existiu.
No tocante ao espetáculo, Isabel Cavalcanti impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com a estrutura fragmentada do texto, criando marcas e atmosferas condizentes com os variados contextos. E também cabe louvar sua atuação junto ao elenco, pois todos os intérpretes exibem performances seguras e vigorosas nos vários personagens que encarnam.
Na equipe técnica, Tomás Ribas assina uma iluminação muito expressiva, a mesma expressividade presente na cenografia de Fernando Mello da Costa, nos figurinos de Rui Cortez e na direção musical de Tato Taborda, sendo interessantes os vídeos de Paola Barreto, ainda que eventualmente prejudicados por uma projeção deficiente.
EUÉUMOUTRO - Dramaturgia de Pedro Brício. Direção de Isabel Cavalcanti. Com Alcemar Vieira, Ana Abbott, André Marinho, João Velho e Lorena da Silva. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
terça-feira, 17 de julho de 2012
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