Teatro/CRÍTICA
"A Menina e o Vento"
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Deslumbrante versão de obra-prima
Lionel Fischer
Como sou um completo desastre no tocante a questões matemáticas, é bem possível que tenha me enganado na conta - para menos, ao que imagino. Seja como for, o presente espetáculo, que comemora os 60 anos de existência do Tablado, reuniu uma equipe de 86 pessoas! Mas...como assim, 86 pessoas? Estaríamos, acaso, numa produção de ponta no mais sofisticado teatro da Broadway? Muito pelo contrário: tudo se passa no pequeno espaço fundado por Maria Clara Machado, em 1951. E justamente porque tudo se passa no Tablado, tudo passa a ser possível!
Certamente uma das mais brilhantes criações daquela que, sem sombra de dúvida, é a melhor autora de peças para crianças que já existiu, "A Menina e o Vento" chega à cena com direção de Cacá Mourthé e elenco formado por André Mattos (Vento), Isabella Dionísio/Marianna Pastori (Maria), Miguel Arraes/Tiago Herz (Pedro), George Sauma (Comissário Plácido Epaminondas), Carmen Frenzel (Tia Aurélia), Roberta Repetto (Tia Adelaide), Ester Elisabeth (Tia Adalgisa), Cristiana Lara Resende (Mãe), Leandro Soares (Repórter), Pablo Paleólogo (Guarda Pacífico), Ricardo Monteiro (Guarda Branca de Neve), Zeli Oliveira (Avó), Carolina Repetto (Freira) e Fábio Lucena (Marinheiro). Cumpre ainda mencionar os Stand in's Hernane Cardoso (Vento), Oberdan Júnior (Comissário), Patrícia Nunes (Tia Aurélia) e Renata Amaral (Mãe), assim como registrar que, no espetáculo que assisti, Maria foi interpretada por Isabella Dionísio e Pedro por Miguel Arraes.
Por tratar-se de obra por demais conhecida, não julgo necessário resumir seu enredo. Mas certamente torna-se imperioso destacar o caráter, digamos, deliciosamente transgressor do texto, seu inconformismo com relação a normas de conduta que, supostamente salutares e edificantes, não raro contribuem para engessar o indivíduo e inviabilizar sua singularidade.
Uma sociedade pode existir sem regras? Certamente que não. Mas quem faz as regras? Elas atendem a que interesses? Hoje, como sempre, aos interesses da minoria que detém poder. Assim sendo, o ato de subvertê-las, ao menos em alguns casos, não pode ser encarado como mero sintoma de rebeldia, mas de sobrevivência. Ao voar sobre o Brasil na cacunda do Vento, Maria não está fazendo uma mera travessura, mas redescobrindo seu país e, fundamentalmente, a si mesma. E nisto reside a principal mensagem de Maria Clara Machado nesta peça magnífica: aquele que se nega ao voo por temer possíveis riscos jamais conhecerá, em tempo algum, a inenarrável felicidade dos que ousam negar o que lhes afronta e se dispõem a reiventar a própria vida.
Com relação ao espetáculo, maravilhosamente produzido, Cacá Mourthé exibe aqui um de seus mais significativos trabalhos, sob todos os pontos de vista. Impondo à cena uma dinâmica que valoriza ao máximo todo o humor e poesia do texto, a encenadora acertou em cheio ao incluir na montagem um delicioso filme em 3D, com roteiro de sua autoria e direção de Henrique Mourthé - nas passagens em que o filme é exibido, os espectadores colocam óculos especiais, que contribuem decisivamente para reforçar o clima de magia.
No tocante ao elenco, que mescla profisisonais com jovens estudantes, o rendimento está à altura da obra em que atuam. E mesmo que alguns, em função de sua maior experiência, se destaquem um pouco mais, o fundamental aqui é a força do conjunto, a paixão com que todos se lançam à tarefa de materilizar personagens magnificamente construídos. A todos, portanto, parabenizo com o mesmo entusiasmo e clamo aos sempre caprichosos deuses do teatro que abençoem esta montagem e, mais do que tudo, continuem abençoando O Tablado, este precioso oásis impregnado de fantasia e liberdade.
Na equipe técnica, são absolutamente irrepreensíveis os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna e deslumbrante produção - Ronald Teixeira (cenário), Pedro Sayad (figurinos), Jorginho de Carvalho (iluminação), Pablo Paleólogo (músicas e direção musical), Josef Chasilew (visagismo), Marcia Elias (perucas), Deronico Martin (adereços), Fabiana Valor (direção de movimento), Marcus Moraes (design gráfico e ilustrações), Lincoln Vargas (engenharia de som), Fernando do Val (direção de produção), Guga Melgar (fotos) e Ângela de Almeida (assessoria de imprensa).
E, finalmente, cumpre registar que O Tablado dedica este espetáculo ao inesquecível ator, diretor e professor Bernardo Jablonski, que nos deixou em 2011 e que Maria Clara um dia definiu como "a cara do Tablado" - o que me deixou enciumadíssimo, naturalmente, mesmo reconhecendo a total justiça da referida definição...
A MENINA E O VENTO - Texto de Maria Clara Machado. Direção de Cacá Mourthé. Com André Mattos, George Sauma e grande elenco. Teatro Tablado. Sábado e domingo, 19h.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
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