quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A mise-en-scène da Grécia

Anatol Rosenfeld


          1. Todo mundo sabe que o anfiteatro antigo reunia as massas gregas (e romanas) ao ar livre, à luz natural do dia, sob o céu mediterrâneo. Assim, a própria natureza participava, por assim dizer, do espetáculo, com a presença do mar e das montanhas próximas, dando ao cerimonial litúrgico da representação uma grandeza cósmica. Pois o teatro desenvolveu-se em todas as culturas, de início, a partir de cerimônias litúrgicas, ligado como era à religião.

          O espetáculo teatral possibilitava a comunhão das massas empolgadas por uma só fé e por  uma só paixão coletiva. A arte não se separara anida do mito e não se dirigia a um "público", a uma determinada elite cultivada, mas ao povo, em cujo seio esses mitos viviam e tinham realidade vigorosa e atual; assim, a arte possibilitava não só uma comunhão profunda das massas, mas também uma integração popular na essência da sua cultura, das suas crenças e da sua fé.

          2. É evidente que Ésquilo, Sófocles e Eurípede escreveram suas peças para esse teatro e para esse povo, de modo que qualquer adaptação aos nossos palcos tradicionais e ao nosso público redunda geralmente em traição. Só em tempos mais recentes, em vista de uma forte corrente artística desejosa de reencontrar o mito, chegou-se a adaptações razoáveis.

          Não podemos compreender a tragédia grega, quer seja ela dialogação de ditirambos dionisíacos ou de elegias fúnebres, se não a compreendemos como fruto de uma fé religiosa, representando, como representa, o mito. E a esse motivo religioso se junta, no século clássico dos três grandes dramaturgos, outro motivo, o político.

          Com efeito, os espetáculos se apresentavam como um serviço litúrgico: as massas eram ao mesmo tempo uma comunidade religiosa e política. A ruína política de Atenas provocou imediatamente a ruína da grande tragédia grega que floresceu apenas durante um século.

          3. Ainda antes da construção dos anfiteatros como os de Atenas, Delfos, Éfeso e outros, existia o simples palco de madeira levado de cidade à cidade, o célebre carro de Téspis, o primeiro lendário encenador que introduziu o uso das máscaras. Os anfiteatros, mais tarde, eram construídos de pedra, cabendo naquele de Atenas trinta mil espectadores. Aos sacerdotes são reservados lugares de mármore.

          No semicírculo que cerca o anfiteatro, encontra-se a orquestra, pois o argumento da peça primitiva se apresentava como uma dança-balada. Todo espetáculo era uma totalidade de recitação de música e mímica. Só mais tarde, uma forma peculiar dessa dança-balada - o ditirambo dionisíaco (Dioniso e Baco, dois nomes para o deus do vinho) - transformou-se no drama propriamente dito.

          No centro da orquestra ergue-se o altar de Baco, onde o coro realiza suas evoluções rítmicas. Os atores trabalham numa cena, cujo fundo é limitado por um muro permanente, por trás do qual uma construção continha os depósitos para os cenários e os camarins para os atores.

          4. A decoração era rica, particularmente na parte fixa - esculturas, pórticos, altares. Além disso, havia cenários variáveis que representavam a cidade, o mar, a montanha, o campo, fragmentos de paisagens pintados sobre os bastidores e sobre o muro. Havia decorações laterais que se moviam por rotação e outras deslocáveis em sentido transversal. Não havia aparelhamento para suscitar a ilusão de tempestades, trovões, relâmpagos, aparições, bem como para possibilitar aos deuses a deslocação no espaço, suspensos nas alturas. Como em nossos tempos, um pano de boca, levantado de baixo para cima, cobria os preparativos do espetáculo.

          5. Em consequência do tamanho enorme do anfiteatro, o ator se servia de coturnos a fim de aumentar sua altura, e de máscaras para acentuar-lhe os traços da fisionomia trágica, ampliando, possivelmente, ao mesmo tempo, o volume da voz. A máscara, ao que parece, era feita de tela, às vezes de madeira de pouca espessura, coberta por uma camada de gesso. Na cobertura superior colocava-se a peruca.

          É evidente que as máscaras anulavam o jogo fisionômico dos atores; mas a multiplicação enorme de máscaras para todos os tipos possíveis compensava esse defeito. Além disso, o jogo fisionômico se teria perdido em vista da grande distância que separava os espectadores e os atores. De construção perfeita, as máscaras se tornavam verdadeiras caixas harmônicas, devido à cavidade circundante que focalizava o som para lançá-lo reforçado ao espaço. Cada ator andava, por assim dizer, com seu auto-falante particular.

          Com o tempo, as máscaras iam se enriquecendo até chegarem a um alto grau de expressividade, havendo numerosas séries que correspondiam a determinados tipos representados. A altura do coturno dependia da posição da figura representada, cuja dignidade era ainda salientada por peitos e ventres postiços.

          6. Ao lado do coro, que ordinariamente ficava com a orquestra, desempenhavam os principais papéis três atores, cada um representando, graças às mascaras, várias personagens. O coro costumava mover-se segundo um ritmo rigorosamente fixado, virando-se e revirando-se logo à direita, logo à esquerda do altar, logo de frente, logo de costas, cantando concomitantemente as estrofes e antístrofes, espécie de alternação entre pergunta e resposta, sendo que toda a parte lírica cantada era sustentada pela flauta.

          7. O teatro romano é mais grandioso e mais maciço, no que se refere à sua arquitetura, mas conserva essencialmente a construção grega. Mas a orquestra - construída em semicírculo - já não abriga o coro e sim os lugares reservados aos magistrados. Um muro baixo separa a orquestra do proscênio, a parte mais avançada do palco, visível mesmo com o pano descido (ou levantado).

          O fundo permanente do teatro era constituído de um muro atravessado por três grandes entradas, por trás das quais se encontravam as instalações, camarins, depósitos etc. Mencionamos o Teatro de Marcelo, entre o Tibre e o Capitólio, o de Pompéia, com quarenta mil bancos de dois lugares, e o de Herculano.

          Em todas as construções romanas se nota a afirmação do colossal, do luxo arquitetônico e decorativo e uma ambição desmedida de poder e magnitude. Mas o público romano dava preferênia às arenas. Pouco de original surgiu no teatro romano, excetuando-se as farsas populares, origem longínqua da commedia dell'arte italiana. Verdade é que a orquestra se enriqueceu com címbalos e trombetas e com o elemento feminino: o teatro grego não admitia a presença de atrizes.
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Extraído de Prismas do teatro, Editora Perspectiva, 1993.

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