segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Barco de papel"


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Inesquecível viagem no Porão



Lionel Fischer


Todo assassino - dizem - retorna sempre ao local do crime, ao que parece na esperança de usufruir uma emoção semelhante àquela que sentiu ao perpetrar sua atrocidade. O presente caso, porém, não está atrelado a nenhuma morte, embora tudo ocorra num diminuto porão - local ideal, por exemplo, para práticas obscuras ou até mesmo ocultação de cadáveres. Mas aqui, tudo se resume a um deslumbrante renascimento.

Há vinte anos atrás, no Porão da Casa de Cultura Laura Alvim, Maria Mariana estreava como autora com "Confissões de adolescente", sucesso absoluto de público e de crítica e que ficou anos em cartaz. Depois, a autora - na época com 19 anos - não escreveu mais nada para o teatro. No entanto, tudo leva a crer que   deva ter começado a sentir alguma nostalgia dos misteriosos mares da escrita teatral, que provavelmente evoluiu para o desejo de novamente compartilhar com os espectadores suas experiências de vida. 

E o resultado desta mais do que bem-vinda decisão pode e deve ser conferido, com total urgência, no já mencionado Porão da Laura Alvim, onde está em cartaz "Barco de papel" - texto, direção e atuação de Maria Mariana, com supervisão de direção assinada por seu pai, Domingos Oliveira, o homem que mais entende de amor neste país.    

"A peça conta a história de uma mulher em busca do autoconhecimento. Em cena, a protagonista, prestes a fazer 40 anos, sente-se em alto mar. Navegando por esta metáfora, encontra um misterioso Marujo que lhe faz perceber o quanto seu barco está bagunçado, lotado de papéis. A protagonista então se desdobra em quatro personagens, que interpreta na vida: Vera, a Sedutora; Maria Gilda, a Intelectual; Diana, a Maternal; e Maria Rios, a Espiritual. Na urgência de navegar com mais leveza, as personagens são expulsas do barco ao longo da peça narrando a busca por um eu verdadeiro".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o percurso da protagonista ao longo da trama. E ela sabe que navegar é preciso, como disse o poeta. Mesmo que seja impossível levar um barco sem temporais. Mesmo com a consciência da inutilidade de se condenar o oceano pela inconstância de suas marés. Mesmo sabendo ser inevitável a alternância de tempestades e calmarias. Porque o que está em causa, evidentemente, é uma viagem metafórica e o Marujo, quem sabe, seja o próprio inconsciente da autora, assim como as quatro personagens materializadas na cena talvez devam ser encaradas como facetas de sua personalidade - trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.

Texto corajoso, singular, divertido e comovente, "Barco de papel" recebeu excelente versão cênica da autora, que consegue magnetizar a plateia ao longo de todo o espetáculo. Mas tal fascínio não advém somente da criatividade da encenação, cabendo enorme crédito à impecável performance da protagonista. Confesso que não imaginava ser Maria Mariana uma atriz tão maravilhosa, pois só a vi representando em sua peça de estreia. Mas aqui ela evidencia não apenas vastos recursos expressivos, mas também enorme carisma e fortíssima presença cênica. Assim, só me resta desejar longa e vitoriosa temporada para esta montagem tão encantadora, e torcer para que a autora tenha a bondade de não nos fazer esperar outros vinte anos para nos brindar com um novo texto.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Domingos Oliveira (supervisão de direção), Fernando Mello da Costa (supervisão de cenografia), Priscila Rozembaum (supervisão de figurino) e Fred Eça (iluminação.

BARCO DE PAPEL - Texto, direção e atuação de Maria Mariana. Porão da Laura Alvim. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.     



     



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