quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"O desaparecimento do elefante"

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Mundo moderno em divertida e instigante visão


Lionel Fischer


Nascido em Kyoto, em 1949, Haruki Murakami é considerado um dos principais nomes da literatura mundial contemporânea. Autor de obra vasta e diversificada, dentre seus principais livros constam "Do que eu falo quando falo de corrida", "Após o anoitecer" e "Kafka à beira-mar". O presente espetáculo, no entanto, baseia-se em cinco contos do escritor japonês: "O pássaro de cordas", "O comunicado do canguru", "Sono", "O segundo ataque" e "O desaparecimento do elefante", que dá título ao espetáculo.

Em cartaz no Teatro Fashion Mall, a montagem leva a assinatura de Monique Gardenberg (também responsável pela adaptação) e Michele Matalon, estando o elenco formado por André Frateschi, Caco Ciocler, Clarissa Kiste, Fernanda de Freitas, Kiko Mascarenhas, Maria Luisa Mendonça, Marjorie Estiano, Rafael Primot e Rodrigo Costa - Felipe Adib e Jiddu Pinheiro fazem participações especiais.

Extraído (e levemente editado) do ótimo release que me foi enviado pelos assessores de imprensa Vanessa Cardoso e Pedro Neves, o trecho que se segue resume o enredo de cada um dos cinco contos.

"Em O pássaro de cordas, um homem desempregado sai para procurar o gato de estimação de sua esposa autoritária, após receber uma série de ligações inesperadas. No caminho, encontra uma curiosa adolescente, que o leva a refletir sobre sua vida. O comunicado do canguru mostra o encarregado de responder cartas de reclamações dos consumidores de uma loja de departamentos que se encanta pela escrita de uma cliente.

Sono gira em torno de uma mulher que não dorme há 17 dias. Em suas noites insones, ela lê 'Ana Karenina', até que ficção e vida real começam a se embaralhar. O segundo ataque tem como tema o ataque a uma lanchonete feito por um jovem casal, recém-casados e mortos de fome. Finalmente, em O desaparecimento do elefante, um rapaz conta para uma jornalista sua intrigante versão para o misterioso desaparecimento do animal, contrariando a versão oficial reportada pelos âncoras de um telejornal".

Diante do exposto, uma pergunta se impõe. Mesmo levando-se em conta a disparidade entre os contos, teria o espectador a possibilidade de apreender algum sentido comum a todos eles? Em minha opinião, sim. Ainda que os contextos sejam diferentes e passagens humorísticas se mesclem a outras repletas de dramaticidade, tive a impressão de que em todas as histórias alguns elementos estão presentes, tais como a solidão, o estranhamento e a permanente sensação de que algo está fora do lugar.

O que se afigura como cotidiano, por exemplo, não raro ganha contornos absurdos. E passagens teoricamente absurdas, como o assalto à lanchonete perpetrado por personagens inspirados em desenhos animados, soam curiosamente cotidianas - não é verdade que, cada vez mais, atrocidades são perpetradas em locais públicos por pessoas que agem como se fossem personagens de ficção?

Posso estar enganado, evidentemente, mas tenho a impressão de que as encenadoras objetivaram, através dos contos selecionados, oferecer ao público uma curiosa, divertida e instigante visão do mundo em que vivemos, impregnado de solidão, desconforto e imprevisibilidade. 

No tocante ao espetáculo, Monique Gardenberg e Michele Matalon impõem à cena uma dinâmica em total sintonia com o ótimo material dramatúrgico. Quando este pressupõe humor, ele é levado às últimas consequências. Quando o que está em causa envereda para o drama, a respiração da plateia certamente entra em descompasso. E nos momentos em que, aparentemente, nada de crucial está acontecendo, aí mesmo é que o desconforto se instala, pois torna-se impossível não encarar a aparente calma como prenúncio de uma provável  tempestade, mesmo que esta não venha a se concretizar literalmente.

Com relação ao elenco, torno a repetir o que já disse em inúmeras críticas: este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. E todos os que estão em cena, ainda que com oportunidades difersificadas, nada mais fazem do que enaltecer a complexa arte de representar. A todos, portanto, parabenizo com o mesmo entusiasmo e torço para que os sempre caprichosos deuses do teatro abençõem esta montagem tão oportuna, sem dúvida uma das melhores da atual temporada.

Na equipe técnica, a mesma excelência se faz presente - Daniela Thomas (cenografia), Claudia Kopke (figurinos), Maneco Quinderé (iluminação), Juliana Mendes (visagismo), Marcia Rubin (preparação de movimento), Dudu Miranda e Grima Grimaldi (vídeos), cabendo também registrar a impecável produção capitaneada por Bianca de Felippes.

O DESAPARECIMENTO DO ELEFANTE - Textos de Haruki Murakami. Direção de Monique Gardenberg e Michele Matalon. Com André Frateschi, Caco Ciocler, Clarissa Kiste, Fernanda de Freitas, Kiko Mascarenhas, Maria Luisa Mendonça, Marjorie Estiano, Rafael Primot e Rodrigo Costa. Teatro Fashion Mall. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h. 

   

      



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