quinta-feira, 27 de julho de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Estes fantasmas"

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Comédia dramática em excelente versão

Lionel Fischer


"Pasquale muda-se com sua esposa para um antigo casarão que há anos é tido como mal assombrado. Mas o que se sucede é uma série de acontecimentos que nada têm a ver com seres do outro mundo. No entanto, ele prefere acreditar que tudo o que acontece é obra do além, salva a si mesmo de sua iminente tragédia, porque se permite acreditar que o amante de sua mulher é um fantasma que assombra sua nova casa e que lhe dá dinheiro de modo benevolente".

Extraído do excelente release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Estes fantasmas" (Sesc Ginástico), de autoria do dramaturgo italiano Eduardo De Filippo (1900-1984). A montagem da Trupe Fabulosa leva a assinatura de Sergio Módena, estando o elenco formado por Thelmo Fernandes, Alexandre Lino, Ana Velloso, Celso André, Gustavo Wabner, Rodrigo Savadoretti e Stela Freitas - esta última participa como atriz convidada.

Escrita em 1946, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, a peça se inicia com uma constatação: Pasquale Lojacono é um homem financeiramente arruinado, mas que acredita que poderá se reerguer se conseguir alugar as dezenas de cômodos do dito casarão, assim convertendo-o em um hotel ou pensão. Ou seja: Pasquale é um homem que ainda não se entregou e se mostra disposto a enfrentar bravamente as adversidades. Estaríamos, portanto, na iminência de assistir a um drama. 

No entanto, esta impressão é parcialmente desmentida a partir do primeiro encontro de Pasquale com Rafaele, porteiro do estabelecimento. Além de enfatizar que o castelo é realmente assombrado, Rafaele enumera uma série de bizarras tarefas que Pasquale terá que cumprir diariamente, como a de aparecer em todas as varandas, cantar a plenos pulmões e acenar das janelas para que os vizinhos acreditem que ali vivem pessoas e não fantasmas. Trata-se, evidentemente, de uma cômica circunstância.

Em vista disso, caberia ao autor - um dos maiores dramaturgos do século XX - conduzir a trama mesclando comicidade e drama, investindo na possibilidade do estabelecimento de um jogo teatral entre realidade e ficção, uma constante em sua obra. E ele certamente o faz. No entanto, e mesmo correndo o risco de ser apedrejado (como a adúltera da Bíblia) pelo elenco, produção e toda a equipe técnica do projeto, não consegui me envolver com o espetáculo - e não por culpa do espetáculo - como imaginei. E pela razão que se segue.

Embora tenha ficado perfeitamente claro para mim que um dos temas centrais da peça é o desejo humano de se reinventar, e quando a realidade se torna insuportável ainda assim tenta-se resistir apelando para forças sobrenaturais na esperança de uma hipotética salvação, creio que esta pertinência temática perde parte de sua contundência porque as passagens humorísticas e dramáticas são muitas vezes trabalhadas em blocos muito extensos. Vamos a dois exemplos.

A cena inicial entre Pasquale e Rafaele é extensa, mas nem por isso deixa de ser engraçadíssima. Na passagem em que Pasquale tenta desesperadamente convencer a esposa Maria de que a ama e que ambos podem seguir juntos, e é vigorosamente contestado, novamente uma cena extensa, mas plena de dramaticidade e maravilhosamente construída. Ou seja: acredito que a eficácia do texto seria ainda maior se a alternância entre os climas emocionais em jogo se desse com maior freqüência, o que implicaria na materialização de cenas mais curtas.

Seja como for, não há dúvida de que Eduardo De Filippo exibe aqui muitos de seus mais do que reconhecidos méritos, dentre eles o de unir teatro popular com uma visão socialmente engajada do mundo, como destaca o diretor Sergio Módena no programa. E aproveitando que acabo de citar o encenador, quero deixar clara minha admiração por este trabalho. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, Módena consegue valorizar, em igual medida e com o mesmo êxito, tanto as passagens mais engraçadas quanto aquelas em que a dramaticidade predomina, valendo-se invariavelmente de marcações imprevistas e criativas. Além disso, o encenador consegue, como de hábito, extrair ótimas atuações do elenco.

Na pele de Pasquale, Thelmo Fernandes demonstra, uma vez mais, sua notável capacidade de transitar com a mesma eficiência pela comédia e pelo drama. Possuidor de ótima voz, grande carisma e forte presença cênica, Fernandes exibe aqui uma das melhores performances da atual temporada. Gustavo Wabner convence plenamente como Alfredo, amante de Maria, sendo esta interpretada com grande emotividade por Ana Velloso. Comediante por excelência, Alexandre Lino está impagável vivendo o ladino Porteiro, com Celso Andre (outro excelente comediante) materializando com extrema firmeza um personagem marcado por total seriedade. Rodrigo Salvadoretti se mostra eficiente em suas breves participações. Com relação a Stela Freitas, é maravilhoso revê-la em cena, ainda que em breve participação como Armida, esposa de Alfredo. E faço absoluta questão de ressaltar meu assombro ante sua relativa ausência de nossos palcos, já que se trata de uma das melhores atrizes do país.  

No tocante à equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Doris Rollemberg (cenografia), Mauro Leite (figurinos), Tomás Ribas (iluminação), Marcelo Alonso Neves (direção musical), Derô Martin (adereços), Guilherme Camilo (visagismo) e Sergio Módena (tradução e adaptação)

ESTES FANTASMAS - Texto de Eduardo de Filippo. Direção de Sergio Módena. Com Thelmo Fernandes, Gustavo Wabner, Alexandre Lino, Ana Velloso, Celso Andre, Rodrigo Salvadoretti e Stela Freitas. Sesc Ginástico. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 18h.   








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