Teatro/CRÍTICA
"Suassuna - O Auto do Reino do Sol"
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Deslumbrante e imperdível musical
Lionel Fischer
Se tivesse vivido mais três anos, Ariano Suassuna (1927-2014) certamente haveria de ficar encantado com o tributo que lhe está sendo prestado no Teatro Riachuelo. Idealizado pela produtora Andrea Alves, o projeto teve como premissa básica a criação de um texto totalmente inédito, inspirado no legado artístico do escritor paraibano, e desenvolvido em um processo coletivo. Complexo desafio, sem dúvida, mas que felizmente foi aceito por artistas de primeira grandeza.
Bráulio Tavares responde pelo texto e Luiz Carlos Vasconcelos pela direção do espetáculo, cabendo a Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho a criação das músicas e a direção musical. E o grupo que está em cena é o mesmo que deslumbrou os espectadores cariocas no ano passado com "Auê", a Cia. Barca dos Corações Partidos, integrada por Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano e Ricca Barros - a montagem também conta com as participações de Rebeca Jamir (atriz convidada) e de Chris Mourão e Pedro Aune (artistas convidados).
Como o enredo abarca múltiplas peripécias, tentarei resumi-lo ao essencial. Um Circo-Teatro se dirige a Taperoá, na Paraíba, com o objetivo de encenar um espetáculo que fará parte das festividades em homenagem ao poeta Ariano Suassuna. No caminho, os artistas se deparam com bandos de retirantes que procuram fugir da seca que assola o sertão. Ao mesmo tempo, tomam conhecimento da feroz disputa entre duas famílias tradicionais da região, uma delas a Fortunato e a outra comandada pelo Major Antonio de Moraes. E para exacerbar ainda mais os conflitos, fica-se sabendo que Iracema, sobrinha do Major, fugiu de casa com Lucas, da família rival.
Na primeira parte do texto, o autor nos mostra o funcionamento do Circo-Teatro - a habilidade dos artistas, os conflitos entre eles, o sólido comando de Sultana e eventuais propostas amorosas. Já na segunda parte, quando Lucas e Iracema pedem abrigo e são aceitos após hilária votação, a trama passa a girar em torno de como incorporá-los ao espetáculo, ao mesmo tempo em que jagunços a serviço do Major prosseguem em sua implacável caçada ao casal de fugitivos.
Repleto de humor e lirismo, assim como de trágicas passagens, o ótimo texto de Bráulio Tavares recebeu esplêndida versão de Luiz Carlos Vasconcelos. Impondo à cena uma dinâmica que valoriza com grande sensibilidade tanto a realidade do contexto - a aridez da terra e a violência dos embates - como tudo aquilo que a transcende - a paixão, a fantasia, a solidariedade e a certeza de que a poesia constitui poderoso antídoto contra a intolerância -, além disso Vasconcelos exibe o mérito suplementar de haver extraído magníficas atuações de todo o elenco.
Vivendo Sultana e D. Eufrásia (além de um retirante), Adrén Alves exibe voz deslumbrante, além de impecável trabalho de composição em ambas as personagens - trata-se, sem a menor dúvida, do mais poderoso e impactante desempenho da atual temporada. Com relação aos demais, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo pela beleza de suas vozes e irretocáveis performances - Fábio Enriquez (Mosquito), Beto Lemos (Chico de Rosa), Eduardo Rios (Escaramuça), Ricca Barros (Poeta Leon e Major Antônio de Moraes), Renato Luciano (Cabantôe), Alfredo Del Penho (Lucas), Rebeca Jamir (Iracema), Chris Mourão (Tinha Graça) e Pedro Aune (Tinha Medo).
No que diz respeito às músicas, certamente estão entre as mais belas já ouvidas em palcos nacionais, sendo igualmente irretocável a direção musical. A mesma e notável eficiência se faz presente nas contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta inesquecível empreitada teatral - Sérgio Marimba (cenografia), Renato Machado (iluminação), Kika Lopes e Heloisa Stockler (figurinos), Uirandê de Holanda e Angélica Ribeiro (visagismo), Rodrigo Garcez (preparação circense), Fernando Trocado e Gilson Santos (preparação dos instrumentos de sopro), Cláudio Fernandes (preparação da cena de luta), Antônio Nóbrega (oficina) e Dantas Suassuna (colaboração artística).
SUASSUNA - O AUTO DO REINO DO SOL - Texto de Bráulio Tavares. Direção de Luiz Carlos Vasconcelos. Com a Cia. Barca dos Corações Partidos. Teatro Riachuelo. Quinta a domingo, 20h30.
segunda-feira, 10 de julho de 2017
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