quinta-feira, 13 de julho de 2017

Teatro/CRÍTICA

"A Produtora e A Gaivota"

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Deliciosas considerações sobre o fazer teatral

Lionel Fischer



"Meire Sabatine, produtora de teatro picareta e divertidíssima, conta sozinha a história de A Gaivota, de Anton Tchecov (1860-1904), fazendo todos os personagens. Durante a peça o público vai descobrindo que a produtora, que não gosta de teatro, é contaminada e muda de opinião sobre a arte, por conta do desenrolar da história, conseguindo com isso resolver problemas pessoais com a filha. O objetivo do monólogo é passar para o público, de forma humorada e criativa, a essência da obra, destacando a importância da arte e da cultura para uma sociedade que necessita de desenvolvimento".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza as propostas essenciais de "A produtora e A Gaivota", em cartaz no Teatro Cândido Mendes. Jefferson Schroeder responde pelo texto e interpretação, estando a direção a cargo de João Fonseca.

Logo no início do espetáculo, a produtora Meire Sabatine diz ao público que o elenco está preso em um engarrafamento na Avenida Brasil, mas que está a caminho. Em vista disso, e com o objetivo de impedir que a plateia se aborreça, peça o reembolso dos ingressos pagos e vá embora, propõe uma conversa sobre a peça, o processo de ensaio, a qualidade dos intérpretes, as dificuldades de se produzir teatro etc. 

Trata-se, sem dúvida, de uma ótima ideia. Em primeiro lugar, porque todos percebem que o elenco jamais chegará. E depois porque a dita produtora, como mencionado no parágrafo inicial, não gosta de teatro, ou melhor, o abomina em todos os seus aspectos. E o esmiuçamento que faz de toda a sua ojeriza é realmente hilariante - detona a peça, que considera sem sentido; o trabalho dos intérpretes, que julga de péssima qualidade; as propostas experimentais do diretor, em seu entendimento inacessíveis; e também investe contra as contribuições de toda a equipe técnica, que classifica como deploráveis, ou algo parecido.

Para os espectadores que têm uma relação próxima com o fazer teatral, todas as queixas da produtora, ainda que propositadamente exageradas, não deixam de conter um fundo de verdade. Ou seja: existem, sim, peças que não fazem o menor sentido (é claro que isso não se aplica à obra-prima em questão), não são poucos os diretores que, sob o argumento de serem experimentais, estão se lixando para a compreensão do público, são incontáveis os exemplos de supostos atores que conspurcam o palco com sua incompetência e assim por diante.

No entanto, à medida que o texto insere a difícil relação da produtora com sua filha, o delicioso humor crítico sobre o teatro cede espaço a considerações que, em meu entendimento, só estão ali colocadas para justificar uma improvável mudança de opinião da produtora quanto à peça - no final do texto de Tchecov, Nina diz a Tréplev que finalmente está seguindo seu caminho como atriz, livre como uma gaivota; no final do texto de Schroeder, a produtora informa que finalmente aceitou a homossexualidade da filha, como que dando seu aval para que ela siga sua escolha e sinta-se tão livre como a heroína de Tchecov. 

Com relação ao espetáculo, João Fonseca criou marcações não raro muito divertidas, mas é evidente que seu maior mérito diz respeito à sua parceria com Jefferson Schroeder. Além de possuir ótima voz e grande expressividade corporal, o ator também evidencia forte presença cênica, inegável carisma e notáveis dotes de comediante, o que me leva a afirmar, sem nenhuma hesitação, que estamos diante de um intérprete cuja trajetória artística merece ser acompanhada com toda atenção.

Na equipe técnica, Daniel de Jesus assina uma cenografia propositadamente horrorosa, em total sintonia com o contexto. Carol Lobato criou belíssimo figurino para a Produtora, talvez belo demais para alguém que não parece ter dinheiro para tanto. Ana Luzia de Simoni e João Gioia respondem por uma iluminação um tanto precária, mas certamente proposital e adequada.

A PRODUTORA E A GAIVOTA - Texto e atuação de Jefferson Schroeder. Direção de João Fonseca. Teatro Cândido Mendes. Terça a quinta, 20h.












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