quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A expressão corporal
na Arte e na Vida (2)

Nelly Laport

A Expressão Corporal, desde os primórdios da vida do homem em sociedade, vem servindo a vários objetivos diferentes, conforme ela seja utilizada para as seguintes finalidades:

1) Comunicação - isto é, como forma de demonstrar estados anímicos, tais como raiva, medo, tristeza, alegria, amor etc.

Quando uma pessoa fecha a cara para alguém, vira o rosto, dá as costas, eis aí algumas expressões inequívocas de que esse alguém não é bem vindo. Pelo contrário, quando o olhar se ilumina, vem um sorriso espontâneo aos lábios e a mão se estende para a saudação, fica claro que o aparecimento dessa pessoa nos é agradável. É claro que, na vida social, muitas vezes é necessário agir de forma simulada abrindo-se em sorrisos para o inimigo e fingindo frieza ao bem amado. Mas estamos nos referindo às expressões autênticas e não à imitação para fins de prática social.

2) Cerimonial (Rito) - expressão destinada a conseguir benefícios para si mesmo ou para a comunidade, através da magia, de rituais.

Todos sabemos o que significa a Expressão Corporal para finalidades mágicas. Os rituais de saudação ao Ano Novo que se desenrolam nas praias e que são, anualmente, documentados em fotos, filmes e video-tapes, são exemplos típicos. Em outro plano, temos o ritual cristão do padre no mistério da missa e dos fiéis na adoração dos seus santos.

Alguns atos de nossa vida cotidiana, aliás, não passam de rituais herdados de cerimônias mágicas ancestrais. Por exemplo, os banquetes, os aniversários, as festas de casamento, as comemorações, em geral, guardam traços de antigos rituais. As pompas fúnebres copiam outras cerimônias que são comuns a todos os povos, em todos os tempos.

Inconscientemente acompanhamos em nossos atos de todos os dias a tradição que nos foi transmitida através dos tempos, de forma tal que dificilmente poderíamos distinguir aqueles gestos que são realmente espontâneos e criadores daqueles que são mera repetição de um ritual de nossa ancestralidade.

Aliás, o simbolismo da linguagem primitiva, tanto verbal como corporal, composta de símbolos arcaicos em forma de fantasias é considerado, pela psicanálise, um aspecto biologicamente hereditário da natureza humana, um legado da horda primitiva e do homem tribal. É esta linguagem ancestral simbólica que permite ao analista, antropólogo ou estudioso do folclore, a tradução e interpretação dos sonhos e outros supostos fenômenos do inconsciente.

Mais recentemente certas correntes da psicanálise e da psiquiatria têm criado certos tipos de técnica em que o corpo é tão usado quanto a mente para cura dos estados neuróticos. Trata-se das técnicas de grupo, denominadas sensitivity training e group encounter, que incluem psicodrama, maratonas e outras técnicas.

3) Distinção Social - incluímos aqui as forma de Expressão Corporal que denotam posição social, a autoridade, a especificidade da atuação do indivíduo dentro do grupo.

4) Arte como diversão - a Expressão Corporal exigida para atividades como dança, os esportes, o relacionamento para o gasto das energias supérfluas no lazer.

A festa é uma manifestação da necessidade de aliviar tensões provenientes do esforço cotidiano no trabalho, uma forma de modificar o comportamento rígido que se tem que observar no dia-a-dia, um encontro de pessoas com a finalidade de se divertirem, isto é, atuarem de uma maneira diferente daquela que as exigências diárias impõem.

Entre essas festas destaca-se o Carnaval, certamente a mais livre manifestação do lúdico. Sua origem parece ligar-se a certos ritos agrícolas de fases imemoriais da história do homem. Resistiu, transformou-se e persiste em seu caráter de expressão de tendências normalmente reprimidas. O Carnaval é uma festa em que a Expressão Corporal tende a se manifestar livremente e a liberar o indivíduo do seu status, do seu papel. A própria fantasia, forma de renunciar aos emblemas de sua posição social, vestindo um traje diverso do habitual, facilita essa liberação. Fantasias de cigana, odalisca, pirata, havaiana ou simplesmente um biquini, denotam o caráter de fantasia liberatória da personalidade comum do folião.

O jogo, o esporte, é outra forma de Expressão Corporal de caráter lúdico. Como dizia Huizinga em seu "Homo ludens", a primeira característica do jogo é o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. A segunda característica é que o jogo não é vida corrente nem vida real. Trata-se de uma evasão da vida real para uma esfera temporária de atividade com orientação própria.

5) Arte como Expressão Simbólica - a dança como expressão artística maior, o teatro e outras representações e a escultura.

A dança, uma das formas supremas da Expressão Corporal, parece ter sido a primeira das artes. Tudo leva a crer isto. Não apenas pelas evidências recolhidas pelos antropóloos e estudiosos dos costumes entre os chamados "primitivos contemporâneos", isto é, os povos selvagens ainda sobreviventes modernamente, como pela própria lógica dos fatos. É que a dança exige como instrumento de sua arte apenas o próprio corpo humano, matéria moldável às expressões requeridas para os gestos propiciatórios dos cultos. Tanto quanto se saiba, as artes nasceram em função de ritos propiciatórios, ligados à magia pela boa caça, pela boa colheita.

Posteriormente, a dança, como as outras formas de arte ligadas inicialmente aos cultos mágicos e religiosos, desprendeu-se desse contexto, tornou-se independente de um conteúdo sensual imediato e foi além da diversão mundana ou do passatempo social para tornar-se uma arte autônoma.

Como bem diz Paul Valéry: "A dança é, na minha opinião, muito mais do que um exercício, uma diversão, um ornamento, um passatempo social; ela é uma coisa séria e, sob certos aspectos, até uma coisa sagrada. Toda época que entendeu o corpo humano ou, ao menos, sentiu algo do mistério de sua estrutura, de seus recursos, de suas limitações, das combinações de energia e de sensibilidade que contém, cultivou e venerou a Dança".

Desde que por intermédio dos movimentos da dança cria-se a possibilidade de expressão de tensões emocionais, já é larga a utilização da dança como uma forma de psicoterapia, baseada nos seguintes princípios: os movimentos corporais são um meio fundamental de autoexpessão e um meio básico, primário, de comunicação. Muitas pessoas estão mais aptas à expressão dos conflitos emocionais através do movimento do que da verbalização. A dança oferece oportunidade para a expressão de emoções de uma forma sublimada e socialmente aceitável e pode servir como meio de relaxar tensões.

Em resumo, a dança representa a expressão do ser com os recursos do próprio corpo. Quem aspira a uma Expressão Corporal criativa não pode deixar de amar a dança, sua suprema realização. No que diz respeito à Expressão Corporal no teatro, gostaríamos de fazer ainda algumas observações que consideramos de interesse no que se relaciona aos gêneros teatrais.

Tragédia - a tragédia clássica, segundo Aristóteles, tem por objetivo "suscitar a compaixão e o terror, obter a purgação dessas emoções". Assim, por princípio, a tragédia é um acúmulo de tensões que somente obtêm sua descarga, seu afrouxamento, no final trágico de seu entrecho, com a morte de seu protagonista ou de seus protagonistas. E, dessa forma, suscitada a compaixão e o terror, a purgação dessas emoções se dá pelo que se chamava de "catarse", termo que passou do teatro para a psicanálise.

Como a tragédia clássica estava presa ainda às suas raízes religiosas, assim como o público a que se destinava também acreditava em seus fundamentos místicos, tais peculiaridades ajudam a tornar extremamente difícil encontrar a empostação adequada à representação dessas peças para platéias modernas. Não somente no que diz respeito à Expressão Corporal dos atores como na forma adequada de expressão das palavras. Por esta razão, algumas das principais tragédias clássicas têm sido adaptadas para representações atuais. Por vezes atualizando até mesmo a ação, como no caso de Antígona, adaptada por Anouil para trajes modernos, atualizando-se também sua significação política de luta contra a tirania.

Comédia - se a tragédia se caracteriza pela tensão, que se acumula para um final que suscita compaixão e terror, a comédia poderia ser caracterizada pela distensão. Não que aqui não haja, até certo momento, um acúmulo de tensões, embora que de outra categoria. Mas a comédia acumula tensões com a finalidade de distendê-las pelo riso. E o riso, segundo os fisiólogos, é uma descarga, um desprendimento de energia nervosa posta bruscamente em liberdade.

O perigo da Expressão Corporal na comédia é o da facilidade, da esteriotipia, da imitação fácil das características do tipo. Alguns atores populares conseguem enorme êxito junto a platéias menos exigentes, justamente pela exploração exagerada dos aspectos exteriores da comicidade. Em vez de comporem tipos eles apenas se preocupam em alcançar a caricatura. E acabam se transfomando, eles mesmos, em simples caricaturas. Seja qual for o papel que pretendam desempenhar eles não fazem mais do que repetir tiques que se tornaram marcas registradas de suas personalidades artísticas. A própria distensão da comédia exige uma seriedade e uma disciplina que é a dignidade da arte.

Drama - é a forma mais recente entre os gêneros teatrais. Embora tenha se desenvolvido a partir dos auto sacramentais e dramas litúrgicos medievais, ele adquiriu caráter próprio a partir do romantismo e alcançou seu desenvolvimento, na forma que perdura até hoje, com o realismo e o naturalismo, tendo como expressão máxima dessa nova dramaturgia o nome de Henrik Ibsen.

Para expressar esse novo estilo, esse novo gênero, era indispensável o aparecimento de uma nova técnica teatral, o que realmente aconteceu, quase que simultaneamente, na França com o Teatro Livre, fundado por Antoine, e na Rússia com o Teatro de Arte de Moscou, criado por Stanislavski.

A expressão requerida para levar à cena as peças de Ibsen ou de Tchecov deveria opor-se radicalmente às técnicas de representação em uso até então. Não se tratava mais de representar no sentido heróico em vigência, com as grandes tiradas à boca de cena, com os efeitos de voz, o declamatório, a gesticulação excessiva, a falta de naturalidade.

Para interpretar Tchecov, cuja peça, A gaivota, foi montada por Stanislavski, era mister viver o papel. É que o drama moderno abandonara os príncipes, os barões e os seres de exceção e passara a retratar a vida de outras camadas da população; desde a problemática social com Os tecelões, de Gerard Hauptmann, à intimidade dos lares dos estratos da alta e média burguesia, com Ibsen, e a análise psicológica dos contrastes sociais como em Senhorita Júlia, de Strindberg. Três correntes de um imenso repertório, ainda não esgotado em sua temática até hoje.

Mas se o que caracteriza a Tragédia é a tensão, cuja descarga final representa a purgação das emoções, através da catarse; e na Comédia a finalidade é a distensão, através do riso, o drama foge a essas características. É que no drama, o problema apresentado, mesmo que o desfecho seja violento ou trágico e o pano desça simbolizando o final, na verdade não teve solução. O drama continua e o espectador tem que carregá-lo consigo de volta à sua casa. A problemática do drama é o impasse, é a questão levantada e não respondida, é o desafio ao espectador para que ele colabore como ser humano, como parte de uma sociedade, na modificação de certos aspectos da realidade.

A tensão dramática não é solucionada pela catarse nem pela distensão jovial do riso. A solução para a tensão dramática é a catarse social. Para a obtenção da Expressão Corporal correspondente ao drama moderno, é que foram criados os métodos de Stanislavski, de Meyerhod, de Brecht e de Grotowski, dentre outros.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 67/1975, edição já esgotada.

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