Teatro/CRÍTICA
"Isopor"
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Instigante metáfora da contemporaneidade
Lionel Fischer
Nininha é uma mulher solitária, de caráter duvidoso (segundo ela mesma) e não sabe o que fazer no reveillon. Resolve assistir à queima de fogos em Copacabana. Rosival ganha a vida vendendo cervejas e refrigerantes num lugar mal cheiroso, tendo por companhia um anão de jardim - talvez o Zangado. É também uma mulher solitária. Finalmente, Ariádne é uma jovem que vende produtos de beleza e, como as anteriores, padece de solidão.
Este é, digamos assim, o perfil das três personagens. Mas seriam mesmo três personagens? E o tempo em que se dá a ação: seria apenas o cronológico ou a ele se mesclaria um outro, pouco atrelado ao real, e assim capaz de avançar e retroceder? Enfim...estas são algumas das questões que o presente texto propõe. Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), "Isopor" foi escrita e dirigida por Rafael Souza-Ribeiro, estando o elenco formado por Paula Valente (Nininha), Sabrina Araújo Costa (Rosival) e Letícia Guimarães (Ariádne), sendo esta a mais recente criação do Grupo Garbo.
Como já foi dito, "Isopor" propõe, fundamentalmente, reflexões sobre identidade e tempo. E embora julgue conveniente não explicitar em detalhes todas as reviravoldas da trama, já que isso privaria o espectador de muitas e inesperadas surpresas, ainda assim torna-se imperioso ressaltar alguns méritos deste jovem autor que até então não conhecia. E o principal é sua capacidade de trabalhar a narrativa de forma tal que, a partir de um certo ponto, já não sabemos exatamente se o que vemos são fatos ou projeções oriundas do inconsciente das personagens.
E mais: como também já sugerido acima, seriam mesmo três personagens ou todas elas deveriam ser encaradas mais como símbolos de um tempo como o nosso, em que a solidão e o desamparo são a tônica? É claro que posso estar completamente enganado, mas creio que Rafael Souza-Ribeiro possa ter pretendido criar um texto que, em permanente processo de construção e desconstrução, fosse capaz de retratar, mesmo que em termos metafóricos, algumas das mais cruéis mazelas que caracterizam a sociedade em que vivemos.
Bem escrito, contendo personagens instigantes e diálogos fluentes, "Isopor" recebeu uma versão cênica que, sabiamente, prioriza o que aqui de fato importa: o jogo cênico entre as intérpretes. E estas correspondem inteiramente aos desafios propostos. Um deles, por sinal, muito curioso: praticamente todas as falas são acompanhadas de gestos, inicialmente individualizados, mas que logo passam a ser utilizados por todas as personagens - esta, digamos, "mecanicidade" gestual revela-se, não raro, muito engraçada.
Paula Valente, Sabrina Araújo Costa e Letícia Guimarães são jovens atrizes já totalmente preparadas para estar no palco sem conspurcá-lo com o menor resquício de incompetência. Possuem voz, excelente preparo corporal e, não custa nada ressaltar, entregam-se com enorme prazer à sólida contracena que estabelecem. A todas, portanto, desejo que contem com as bênçãos dos sempre caprichosos deuses do teatro.
Na equipe técnica, o músico Paulinho Marburg faz preciosa contribuição ao espetáculo com sua cuíca, sublinhando e enfatizando, de forma extremamente sensível, os múltiplos climas emocionais em jogo. Núbia Leite responde por encantadores e eventualmente divertidos adereços, sendo correta a iluminação de Marcio Leandro Oliveira.
ISOPOR - Texto e direção de Rafael Souza-Ribeiro. Com Paula Valente, Sabrina Araújo Costa e Letícia Guimarães. Montagem do Grupo Garbo. Teatro Maria Clara Machado. Terças e quartas às 21h.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
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