sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Mão na luva"

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Montagem imperdível na Lapa


Lionel Fischer


"Silvia é uma artista plástica frustrada. Lúcio Paulo é jornalista. Eles estão prestes a encerrar uma relação de nove anos. Nesta conversa derradeira, a ação é fragmentada em flashbacks, o homem e a mulher viajam entre o passado e o presente, tentando encontrar uma razão específica para o término da união. Neste momento também são feitas revelações. Traições veladas são descobertas. Mágoas expostas, feridas abertas".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mão na luva", de Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), peça escrita em 1966 e que já recebeu inúmeras versões. A atual leva a assinatura de Rubens Camelo e está em cartaz no Atelier 52 - o espaço foi cedido pelo artista plástico Daniel Senise e fica na Rua Silvio Romero nº 52, na Lapa. Marta Paret e Isaac Bernat dão vida aos dois únicos personagens.

Embora tenha como pano de fundo uma série de questões políticas inerentes à época, o principal foco do texto é realmente a desesperada tentativa de um casal de encontrar uma razão concreta para o iminente rompimento. Como já dito, traições são reveladas, fazendo aflorar inevitáveis ressentimentos. No entanto, o que me parece mais relevante no texto é que o autor não condena ou absolve seus personagens, mas procura detectar o que estaria na essência das tais traições, desprezando o que poderia haver de superficial nas mesmas.

Tal postura o leva a empreender uma pertinente reflexão sobre algo que julgo fundamental: nossa costumeira teimosia em querer que o outro atenda às nossas expectativas, correndo assim o risco de perder a pessoa amada por idealizá-la, fazendo dela alvo de nossas projeções. No entanto, chega sempre o momento em que o real da vida se sobrepõe a todas as máscaras inventadas, e as faces descobertas geram profundo e injustificado espanto.

Felizmente, no presente caso, o brilhante Vianinha teve a sabedoria de perceber que é perfeitamente possível conviver com divergências, fragilidades, frustrações etc., desde que as mesmas sejam reveladas em toda a sua amplitude e complexidade. Quando isto é feito, e havendo amor, naturalmente, qualquer casal pode reiniciar sua trajetória. E certamente numa relação muito mais fortalecida, posto que despida de todas as máscaras.

Quanto ao espetáculo, Rubens Camelo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcas traduzem sempre os principais conteúdos em jogo, tanto aquelas em que o casal recorda momentos felizes como nas que o embate assume proporções de extrema violência. Afora isto, o diretor conseguiu extrair atuações absolutamente irretocáveis dos intérpretes, que exibem aqui as melhores performances de suas carreiras.

Um dos mais brilhantes atores deste país, Isaac Bernat ainda não ocupa o lugar de destaque que há muito merece. Ótima voz, excelente preparo corporal, incontestável inteligência cênica, Bernat confere ao personagem toda a sua carga de paixão, desespero e humanidade. Sem dúvida, um dos mais significativos desemprenhos da atual temporada.

Quanto à Marta Paret, antes de tudo cabe ressaltar seu lado guerreiro. Num momento em que está cada vez mais difícil se conseguir patrocínios e pautas em teatros, Marta levou recentemente à cena "Navalha na carne" num quarto do Hotel Paris, na Praça Tiradentes, local destinado à prostituição. E agora produz uma montagem num atelier na Lapa - espaço charmosíssimo, diga-se de passagem, mas ainda assim alternativo. Ou seja: ao invés de ficar se lamuriando pelos cantos como uma viúva machadiana, Marta vai à luta, num trabalho de resistência que merece todos os aplausos.

No que se refere à sua atuação, a mesma está no mesmo nível da de Isaac Bernat. Como este, Marta se entrega visceralmente à tarefa de materializar uma mulher que, esmagada pela inteligência e brilho do marido, busca compensar sua aparente desimportância entregando-se aos mais próximos amigos de Lúcio Paulo. Sua interpretação, como a de Isaac, também se insere entre as melhores do ano.

Na equipe técnica, Jorge De Tharso responde por impecável direção de arte, valendo-se de poucos e funcionais elementos. O mesmo se aplica à iluminação de Paulo Denizot, que acompanha e reforça os múltiplos climas emocionais deste maravilhoso texto.

MÃO NA LUVA - Texto de Oduvaldo Viana Filho. Direção de Rubens Cabelo. Com Marta Paret e Isaac Bernat. Attelier 52. Quinta às 21h. Sexta, 19h.   

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