Teatro/CRÍTICA
"Mulheres sonharam cavalos"
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Contundente metáfora de um país
Lionel Fischer
"Seis personagens atuam em um pequeno ambiente - a sala de um apartamento - deixando entrever um recorte de suas vidas, onde surgem mais fios soltos do que explicações e respostas. As peças deste tabuleiro, no qual todos se converterão em perdedores, são três mulheres casadas com três irmãos. O que desencadeia o conflito é o encerramento de um negócio familiar, a cargo de um dos irmãos. Com a intenção de transmitir esse fato ao resto da família, um almoço foi marcado. Como resultado, revelações devastadoras acabam desestruturando completamente a família, chegando-se a um inesperado final".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Daniella Cavalcanti, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mulheres sonharam cavalos", do argentino Daniel Veronese, em cartaz no Teatro Poeirinha. Ivan Sugahara assina a direção, estando o elenco formado por Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
Como explicitado no parágrafo inicial, estamos diante de uma família em inexorável processo de desagregação. Mas também podemos encarar o texto como uma metáfora de um país - no caso, a Argentina - esfacelado pela brutal ditadura militar. A expressiva cenografia de Flávio Graff (no programa este profissional é nomeado diretor de arte, mas suponho ser de sua autoria o cenário) nos mostra um ambiente decadente e claustrofóbico, um pequeno apartamento de um prédio desabitado, o que pode sugerir a grande quantidade de argentinos que deixaram o país em busca de um recomeço para suas vidas. E há também a clara alusão à famigerada prática dos militares de adotar os filhos recém nascidos de terroristas mortos, que passavam a criar como se fossem seus prórpios filhos.
Mas seja qual for a leitura que cada espectador decida fazer, o que realmente importa ressaltar é qualidade do texto, sua original estrutura narrativa, a contundência dos diálogos e a capacidade de Daniel Veronese de criar personagens magnificamente estruturados, ainda que sem entrar em maiores detalhes a respeito da psicologia de cada um. Ou seja: é como se o autor apresentasse ao público uns poucos fragmentos, deixando à sua fantasia a tarefa de preencher propositais lacunas.
Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara exibe aqui um de seus melhores trabalhos de direção. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com os principais conteúdos propostos pelo autor e valendo-se de marcas cuja expressividade transcende o realismo, o encenador também possui o mérito suplementar de haver extraído excelentes atuações de todo o elenco.
Sob todos os aspectos, os profissionais que estão em cena ratificam nossa crença de que este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. Todos demonstram notável capacidade de entrega, inteligência cênica e uma mais do que evidente comprensão do contexto em que seus personagens estão inseridos. Assim, só nos resta parabenizar, com total entusiasmo, Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Letícia Isnard (tradução), Paula Maracajá (preparação corporal), Rose Gonçalves (preparação vocal), Paulo César Medeiros (iluminação) e Ivan Sugahara (trilha sonora).
MULHERES SONHARAM CAVALOS - Texto de Daniel Veronese. Direção de Ivan Sugahara. Com Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues. Teatro Poeirinha. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
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