sábado, 15 de setembro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Jantando com Isabel"

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Náufragos de si mesmos


Lionel Fischer


"A peça conta a história de um ex-pugilista que há vinte anos mora com um amigo, ex-arquiteto. O primeiro é bronco, ignorante, frágil; o outro é metódico, taciturno, operístico. O ex-pugilista parou de lutar por causa de uma desilusão amorosa; o ex-arquiteto parou de construir prédios quando eles começaram a cair. O ex-pugilista vive  das glórias de uma época remota no ringue; o ex-arquiteto contenta-se em construir dioramas. O passado os une através de duas mulheres, ambas com o nome de Isabel, mas suspeita-se que seja a mesma. Por chegarem à conclusão de que ainda amam Isabel, eles elaboram um plano para que ela volte: publicam um anúncio no jornal, marcando um jantar e ficam esperando".

O trecho acima, extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Jantando com Isabel", de autoria de Furio Lonza. Em cartaz no Teatro Poeirinha, o texto chega à cena com direção de Henrique Tavares e elenco formado por Isaac Bernat (arquiteto) e Xando Graça (pugilista).

Como se depreende do parágrafo inicial, estamos diante de duas personalidades diametralmente opostas e assim nada mais natural que os personagens vivam em permanente conflito, ainda que os mesmos nada tenham de muito grave - praticamente tudo se resume a picuinhas sobre o funcionamento da casa. No entanto, vez por outra afloram reflexões sobre tudo aquilo que ambos poderiam ter sido e não foram, o que contribui para acentuar o melancólico presente. Tal melancolia, porém, é dissipada ante a possibilidade de ambos reverem o grande amor de suas vidas. 

A partir deste momento, os personagens, que até então se comportavam como uma espécie de náufragos de si mesmos, entram em um novo estado, esquecem suas diferenças e, com juvenil e comovente alegria, empreendem os preparativos para o possível encontro.

Contendo ótimos personagens, diálogos bem construídos e pertinentes reflexões sobre o amor, a amizade, a solidão e o fracasso, dentre outros temas, o texto de Furio Lonza só me parece insatisfatório em um aspecto, que não posso revelar, pois isso privaria o espectador da surpresa final: a razão que levou o ex-arquiteto a morar com o ex-puglista. Para agir como agiu, teria que ser bem mais do que um homem completamente apaixonado: teria que ser praticamente um santo, tamanho seu desprendimento e abnegação.

Com relação à montagem, Henrique Tavares impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo destacar a precisão dos tempos rítmicos e a valorização das múltiplas atmosferas emocionais. E Tavares também exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco.

Amigos de longa data, Isaac Bernat e Xando Graça evidenciam enorme prazer em dividirem o mesmo palco. A intensa contracena que exibem não se deve apenas ao fato de serem excelentes atores e estarem impecáveis em seus personagens. É mais do que isso: conseguem estabelecer um tipo de cumplicidade que advém da total confiança mútua, da certeza que possuem de que ambos jogam o mesmo jogo, estão em cena completamente irmanados, dando e recebendo com a mesma generosidade. Como sempre sustentou Peter Brook, o teatro "é a arte do encontro". E certamente Isaac Bernat e Xando Graça nada mais fazem do que reafirmar a magnífica definição do teatro feita pelo maior encenador vivo.

Na equipe técnica, Aurélio de Simoni assina uma iluminação sublime, posto que capaz de enfatizar, com incrível sensibilidade, todos os climas emocionais em jogo. Maria Estephania responde por impecável direção de arte, que inclui, ao que suponho, cenografia e figurinos. E gostaria também de destacar o fato do diretor Henrique Tavares ter incluído na ficha técnica uma jovem aluna da CAL, Naara Barros, como assistente de direção. Tal postura poderia e deveria ser adotada por todos os diretores importantes, já que assim estariam introduzindo no mercado os futuros profisionais que ainda estão estudando.        

JANTANDO COM ISABEL - Texto de Furio Lonza. Direção de Henrique Tavares. Com Isaac Bernat e Xando Graça. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.

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