domingo, 3 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Também queria te dizer - cartas masculinas"

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Encontro marcante no Midrash


Lionel Fischer


Os especialistas em futebol costumam afirmar que "há coisas que só acontecem ao Botafogo". Se isto é possível, e acredito que o seja, me permito acrescentar que também existem coisas que só acontecem no teatro. E o presente espetáculo é um bom exemplo. Assisti a estreia de "Também queria te dizer - cartas masculinas" no final do ano passado, na FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra), mostra competitiva da qual era jurado.

Pois bem: embora exibindo qualidades, o fato é que nem o texto, o espetáculo e a atuação do único ator em cena, Emílio Orciollo Netto, me causaram a emoção e impacto que previra - e aqui cabe ressaltar que sou grande admirador de Martha Medeiros, do Emílio e do diretor Victor Garcia Peralta. Estando a peça em cartaz no Rio de Janeiro, resolvi dar uma nova conferida na montagem e, para meu total espanto, saí do Midrash com uma opinião completamente diversa da anterior. E pelas razões que passo a explicitar.

Antes, porém, uma curiosidade: assisti o espetáculo ontem e era de se supor que pudesse me lembrar das seis cartaz encenadas. No entanto, só me recordo de cinco! - poderia, evidentemente, entrar em contato com a assessoria de imprensa do espetáculo em busca de preencher a citada lacuna. Mas estou optando por encará-la com uma dose maior de humor do que de aflição, pois se efetivamente "bloqueei" uma das cartaz, é bem provável que a mesma tenha me gerado um grande impacto...

Baseado no livro homônimo, "Também queria te dizer - cartas masculinas" nos coloca diante de um artista plástico que resolve fazer uma instalação utilizando cartas, todas escritas na primeira pessoa, e as interpreta. É possível que a plateia fique em dúvida sobre a autoria das cartas - de que forma o artista teria tido acesso a elas? - e conclua que ele próprio as escreveu. Também fiquei com essa dúvida, mas isso é completamente irrelevante. O fundamental é a pertinência com que a autora aborda uma série de temas, dentre eles a loucura, a separação amorosa, a morte, a corrupção e a relação do artista com a crítica. 

Sendo Martha Medeiros uma autora cujos textos, ainda que brilhantes do ponto de vista formal, não visam a aprovação de especialistas e sim transmitir viscerais emoções àqueles que a leem, nada mais natural que a plateia se envolva e se identifique totalmente com os conteúdos em causa. E este envolvimento, que, como já dito, não senti em Angra, e agora foi completo, talvez se deva ao fato de que, na FITA, o espetáculo era feito em um teatro e os espectadores ficavam a uma certa distância do intérprete. No Midrash, o ator representa a poucos metros da plateia e essa proximidade faculta uma relação muito mais impactante entre quem faz e quem assiste.

A direção de Victor Garcia Peralta é sabiamente simples, sem por isso deixar de ser elegante e refinada, marcas características do encenador argentino. Ciente de que, no presente caso, o que realmente importa é materilizar na cena a dramaticidade dos relatos, Victor Garcia investe todas as suas fichas no sentido de extrair do ator um desempenho à altura do material dramatúrgico. E o faz com absoluto sucesso.

Emílio Orciollo Netto é um ator ainda jovem, mas com vasta experiência, tanto no teatro como no cinema e na TV. E sempre que o assisto tenho certeza absoluta de que pertence ao seleto grupo de intérpretes que se entrega sem reservas aos personagens que interpreta, encarando sem nenhum temor todos os desafios inerentes a uma atividade de extremo risco - em especial no teatro, que dispensa intermediações típicas dos outros veículos. E também pelo fato de possuir grandes recursos expressivos e indiscutível inteligência cênica (responsável pela originalidade de suas escolhas), chega-se à única conclusão possível: no presente espetáculo, Emílio exibe uma das performances mais poderosas da atual temporada.

Na equipe técnica, Plínio Poeta responde por uma trilha sonora que contribui decisivamente para enfatizar todos os climas emocionais em jogo, cabendo também destacar a expressiva cenografia de Miguel Pinto Guimarães e a sensível iluminação de Luciano Xavier.

TAMBÉM QUERIA TE DIZER - CARTAS MASCULINAS - Texto de Martha Medeiros. Direção de Victor Garcia Peralta. Com Emílio Orciollo Netto. Midrash. Sábado, 21h. Domingo, 20h.

  





 


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