quinta-feira, 25 de abril de 2013

"Não vemos Brecht como algo sagrado"


          Jutta Ferbers fala do legado do dramaturgo alemão e de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann. A dramaturgista Jutta Ferbers trabalha há 12 anos na companhia alemã e tem um papel fundamental no Berliner Ensemble, a célebre companhia fundada em 1949 por Bertolt Brecht: cabe a ela editar e tomar outras decisões sobre a adaptação de textos de grandes autores encenados pelo grupo. Companhia fundada por Brecht é destaque no 19º Porto Alegre Em Cena.

          Nesta entrevista, ela comenta como a companhia lida com o legado do dramaturgo alemão, lembra de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann — que vem a Porto Alegre — e conta como foi apresentar Mãe Coragem no Irã.

Zero Hora — É a primeira vez do Berliner Ensemble em Porto Alegre. Por que vocês escolheram apresentar Mãe Coragem?

Jutta Ferbers — Acho que é uma das nossas melhores peças. Na Alemanha, por anos, ninguém encenou Brecht. Não tem como dar errado encená-lo em qualquer lugar do mundo porque ele é um autor muito, muito bom.

ZH — Houve uma montagem histórica do Berliner Ensemble em 1954, na França. Qual o impacto que ela deixou?

Jutta — Foi talvez a primeira vez que o Berliner Ensemble foi valorizado depois da II Guerra. Por causa do enorme sucesso em Paris, em casa (na Alemanha) admitiram: "É uma boa companhia". Então, o Berliner ficou cada vez mais famoso em sua casa.

ZH — Aquela montagem foi modelo para a atual?

Jutta — É outro tempo e outro diretor. Não somos um museu, de forma alguma. Fazemos um trabalho muito contemporâneo de teatro. Trabalhamos com diferentes diretores, como Robert Wilson, Claus Peymann, Peter Stein. Não há um modelo para Mãe Coragem ou para qualquer outra peça de Brecht. Você tem que trazê-la para nosso tempo. Além disso, ela não é ambientada em um tempo específico, então pode ser agora, poderia ser 10 anos depois ou antes, e em qualquer país.

ZH — Que características você destaca nesta montagem?

Jutta — É difícil de descrever. São os atores, o cenário... E fizemos muitos cortes no texto. Mas é o caminho para sermos sinceros, diretos e para que todos a entendam. O discurso de Brecht é artístico, não é como estamos falando agora. Fizemos várias apresentações em Berlim, em Paris e também em Teerã, no Irã. Foi interessante como as pessoas de lá lidaram com essa história.

ZH — Como foi a experiência?

Jutta — É uma das coisas que nunca quero esquecer. Estivemos duas vezes no Irã. Durante o governo de Ahmadinejad, apresentamos Mãe Coragem (em 2008). Alguns anos antes, levamos Ricardo II (de Shakespeare), no período de Khatami, que era um presidente mais moderno. Na última vez, com Ahmadinejad, as pessoas nos disseram: "A situação está piorando".

ZH — Alguma reação em particular chamou sua atenção?

Jutta — Sim, grandes reações. Lá, uma mulher e um homem não podem se tocar sem luvas. É proibido. Tampouco é permitido que uma mulher cante no palco. Em Mãe Coragem, fizemos essas duas coisas. As pessoas se levantaram ao final e houve um enorme sentimento entre a plateia e os atores. Depois de cada apresentação, alguns homens nos diziam: "Nunca mais! É proibido!". Mas, na apresentação seguinte, fazíamos a mesma coisa. Tivemos medo de que não nos deixassem sair do país. Ao final das sessões, mulheres vieram falar conosco com lágrimas nos olhos. Então, talvez tenhamos feito uma pequena parte em prol das pessoas que querem outros tempos.

ZH — Brecht morreu em 1956. Como o Berliner Ensemble atualiza suas lições?

Jutta — Não as entendemos como lições. Ele não foi um professor; foi um diretor. Gostava das pessoas rindo. E foi um homem muito contemporâneo. É um autor importante, e é por isso que o encenamos, mas não o vemos como algo sagrado. Todos pensam que o Berliner Ensemble tem que lidar com o "grande Brecht". Sabemos o que ele queria dizer, essa é a questão principal. Mas há essa teoria sobre o teatro épico que, às vezes, você tem que esquecer. Essa teoria foi escrita em um tempo específico, para um tipo de teatro específico. A única questão é fazer teatro para as pessoas abrirem os olhos e ouvidos. E bocas (risos).

ZH — Em 1956, ano em que Brecht morreu, um jornal britânico chamou o Berliner Ensemble de "o teatro mais controverso da Europa". Vocês se veem desta forma hoje?

Jutta — Para ser sincera, acho que não. Mas na Alemanha há grandes discussões sobre Claus Peymann. Ele não é apenas um diretor; é engajado politicamente, diz o que pensa e é muito direto. Muitas pessoas dizem: "Você tem que ser mais diplomático, tem que ser mais legal com o governo". Mas ele não quer. Como líder teatral, Claus Peymann é uma das pessoas mais controversas, mas ele já era antes (de entrar no Berliner Ensemble). Estivemos na Áustria por 13 difíceis anos, em Viena. Quando Peymann encenou lá suas primeiras peças de Thomas Bernhard (escritor e dramaturgo austríaco, 1931 – 1989), ninguém conhecia Bernhard. A peça Heldenplatz gerou uma grande discussão porque dizia que os austríacos tinham sido nazistas, que não foram apenas forçados pelos alemães. Peymann lutou por autores como Bernhard, Peter Handke, Elfriede Jelinek, que agora são clássicos. Quando Bernhard morreu, tornou-se herói. Todos diziam: "Sempre fui amigo dele". Mas não é verdade.

ZH — O que é o teatro político hoje, na sua visão?

Jutta — Olhar nos olhos, nos corações e nas mentes das pessoas e deixar claro que o mainstream não é o caminho que devemos seguir. Temos que abrir os olhos das pessoas que estão à direita e à esquerda. Você pode ser bem suave, mas tem que usar a cabeça.
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