quarta-feira, 22 de maio de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Favela"

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A imperiosa necessidade de escolhas



Lionel Fischer



"Favela conta histórias de moradores comuns de uma comunidade. A senhora aposentada que passa o dia na janela observando a vida alheia; o pastor de uma igreja preocupado que sua única filha se misture com os outros jovens da favela; o casal que vive brigando e fazendo as pazes; a mãe solteira de vários filhos; o malandro mulherengo que não se entende com a mãe evangélica e, protagonizando a história, dois jovens primos que fazem escolhas opostas na vida: um entra para a faculdade de engenharia e outro para o tráfico de drogas. O grande mote do espetáculo é: a vida é feita de escolhas. O que você quer da vida? Que escolhas você fez? Onde elas te levaram? Que escolhas você fará?"

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima contextualiza o espaço onde transcorre a ação, explicita algumas das muitas relações que nele se estabelecem e, fundamentalmente, torna clara sua principal premissa: a questão das escolhas que fazemos. Apresentada pela primeira vez na FITA (Festa Internacional de Teatro de Angra dos Reis) no ano passado, a montagem cumpriu posterior temporada no Fashion Mall e agora está em cartaz no Teatro do Leblon (Sala Fernanda Montenegro).


Com texto assinado por Rômulo Rodrigues e direção a cargo de Márcio Vieira (também idealizador do projeto), "Favela" tem elenco formado por João Augusto Mathias, Rafael Zolly, Walace Fortunato, Helena Giffonni, Dja Marthins, Ana Berttines, Cinthia Andrade, Felipe Frazão, Michel Gomes, Rafael Julu, Carla Cristina, Kawane Weza, Gisele Castro, Claudia Leopoldo, Gabriel Chadan, Leandro Santana, Natalio Maria, Nilson Melo, Cridemar Aquino, Renata Tavares e Dilene Prado.

Como se sabe, o processo de pacificação das favelas vem contribuindo decisivamente para impedir que seus moradores continuem reféns do tráfico, ainda que este não tenha sido banido totalmente. Mas o que me parece fundamental destacar é que qualquer favela, dominada ou não pelo tráfico, é habitada por pessoas com as mesmas aspirações à felicidade do que aquelas nascidas em locais mais privilegiados. A diferença, cruel e perversa, reside no tocante às oportunidades de se construir um futuro digno - quem nasce numa favela tem que batalhar por sua vida infinitamente mais do alguém que tem muito mais acesso à cultura, que se veste e se alimenta melhor etc.

No entanto, a vida não é, não pode ser um jogo de cartas marcadas, onde todos os destinos já estariam previamente traçados. Mesmo enfrentando, como já foi dito, condições de vida não raro completamente adversas, ainda assim os moradores de comunidades carentes podem lutar - e estão lutando - para construir uma trajetória plena de realizações, e a realidade atual nos mostra que isto vem acontecendo em escala cada vez maior.

Com relação ao texto de Rômulo Rodrigues, parece-me que sua intenção não foi a de criar uma narrativa no sentido tradicional do termo, mas sim nos oferecer uma espécie de radiografia do dia a dia de uma comunidade carente, exibindo alguns conflitos ou momentos de alegria, revelando sonhos e frustrações etc. Neste sentido, a peça cumpre totalmente a premissa que lhe deu origem. Mas acredito que, se tivesse optado por um número menor de personagens, as questões fundamentais do texto poderiam ter sido mais aprofundadas. Ainda assim, Rômulo Rodrigues consegue criar alguns bons papéis e diálogos que prendem a atenção do espectador - mas sugiro que, em sua próxima empreitada teatral, enxugue o mais possível o texto e só escreva personagens que realmente contribuam para o desenvolvimento da ação.

No tocante ao espetáculo, este exibe passagens muito expressivas, tanto nas mais divertidas quanto naquelas em que a dramaticidade predomina. Mas há momentos um tanto "sujos", em termos de marcação, que poderiam ser melhor trabalhados - em algumas cenas de conjunto, por exemplo, alguns atores não são vistos ou então estão quase todos colocados num dos extremos do palco, assim causando uma sensação de desequilíbrio. 

Quanto ao numeroso elenco, seria literalmente impossível avaliar todas as atuações e até mesmo injusto, pois há papéis bem mais significativos do que outros e também diversificados graus de experiência. Assim, faço a opção de destacar a força do conjunto, a alegria que todos exibem de estar em cena, a coletiva capacidade de entrega. Caso permaneçam juntos, com o tempo algumas questões técnicas haverão de ser solucionadas e então todos estarão plenamente capacitados a exibir seus dotes interpretativos. 

Na equipe técnica, Derô Martin assina uma cenografia despojada, mas que atende às necessidades da montagem, sendo excelentes os figurinos de Caio Braga. Djalma Amaral responde por uma iluminação correta, a mesma correção presente na direção musical de Márcio Eduardo. Cabe ainda citar as importantes contribuições de Sueli Guerra (direção de corpo) e Pedro Lima (preparação vocal).

FAVELA - Texto de Rômulo Rodrigues. Direção de Márcio Vieira. Com grande elenco. Teatro do Leblon. Terça e quarta, 21h.

  



  

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