segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"Big Jato"

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Delicioso rito de passagem



Lionel Fischer



"A comédia conta a história de uma menino e sua percepção do mundo, de dentro da boleia do caminhão de seu pai, um limpa-fossas chamado Big Jato. O enredo se passa no interior do Ceará, no Vale do Cariri, nos anos 70, e narra a passagem da criança para a vida adulta de uma maneira lúdica e bem humorada, com uma narração e uma linguagem peculiares a um menino".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo de "Big Jato", em cartaz no Teatro do Jockey. Baseado no romance homônimo de Xico Sá, o espetáculo chega à cena com direção de Morgana Kretzmann, dramaturgia de Morgana e Diogo Camargos, e interpretação deste último.

Não li o livro de Xico Sá, mas pelo que pude dele apreender certamente o adoraria. E um dos aspectos que mais me seduziu é a relação que o protagonista estabelece, ao longo da narrativa, com seu pai e seu tio. O primeiro, ainda que severo e intransigente em seus princípios, é seu ídolo. Já o segundo, de mente mais libertária, o leva a amar os Beatles e a perceber que o mundo não se limita à aridez do sertão. Tal dualidade de relações, tão contraditórias, permite ao menino um permanente exercício de reflexão, que contribui para finalmente faze-lo optar pelo caminho que mais lhe interessa. 

Afora isso, o texto nos mostra uma grande quantidade de personagens, sempre curiosos e singulares, com os quais o protagonista se relaciona e que permite ao espectador entrar em contato com uma realidade ao mesmo tempo áspera e lúdica, certamente severa, mas nem por isso desprovida de imaginação e poesia. Sob todos os aspectos, um texto excelente.

Com relação ao espetáculo, Morgana Kretzmann impõe à cena uma dinâmica que cativa o espectador desde o início, tanto pela criatividade das marcações e precisão dos tempos rítmicos como pelo humor que extrai das mais diversas situações, inclusive daquelas não isentas de alguma dramaticidade - isso não significa que a encenadora procure fazer graça, mas sim que consegue perceber que muitas situações dramáticas não deixam de conter um potencial humorístico, dependendo da forma como sejam trabalhadas. 

Na pele do protagonista e também encarnando vários personagens (masculinos e femininos), Diogo Camargos exibe grande versatilidade e notável potencial para a comédia. Possuidor de ótima voz, excelente trabalho corporal, forte presença cênica e grande carisma, o jovem ator reúne todas as condições para fazer uma brilhante carreira no teatro. Assim, só me resta desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem sua trajetória artística.

Na equipe técnica, Desforma CreativeArt responde por uma cenografia despojada e eficiente, os mesmos predicados presentes no figurino de Luciana Mac Dowell e na iluminação de Walace Furtado, cabendo ainda destacar as excelentes trilha sonora (Vinícius Campos e Joyce Santiago) e músicas originais (Joyce e Leonardo Miranda).

BIG JATO - Texto de Xico Sá. Dramaturgia de Morgana Kretzmann e Diogo Camargos. Direção de Morgana Kretzmann. Com Diogo Camargos. Teatro do Jockey. Sexta a domingo, 21h.

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