quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Teatro/CRÍTICA

"A quantas separações uma mulher é capaz de sobreviver?"

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Hilária e dolorosa reflexão sobre o amor



Lionel Fischer



"Ana é uma mulher de 33 anos, completamente destemperada, que faz da sua vida uma intensa procura por sua verdadeira alma gêmea. Após o fracasso de seu último relacionamento, ela decide tomar uma drástica decisão e grava um vídeo contando a sua louca e dolorosa trajetória amorosa. Ana transforma seus depoimentos em um hilário e caótico ritual. Tendo uma câmera como única testemunha, ela conta suas experiências do passado e as relaciona com o turbilhão de sentimentos que se apoderam de sua cabeça".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o contexto de "A quantas separações uma mulher é capaz de sobreviver?", que acaba de entrar em cartaz no Teatro O Tablado. De autoria de Renata Tobelem, que também interpreta a única personagem, a montagem tem direção assinada por Guida Vianna (codireção de Michel Bercovitch).

Ao longo dos últimos anos, muitas peças centradas em relações amorosas têm sido exibidas nos palcos cariocas, o que evidencia a pertinência e atualidade do tema. E hoje em dia, quando infindáveis aparatos tecnológicos dão a entender, com descarado cinismo, que só fica sozinho quem quer, me parece bastante oportuno refletir sobre o que nos acontece no real da vida a partir do momento em que uma relação é interrompida. 

Pode-se buscar consolo no Face, no Twiter, no Instagran? Sem dúvida. Mas me parece que, quando se trata de uma dor que nos dilacera a alma, a única possibilidade real de superação (e entendimento) da mesma só se torna viável para aquele se dispõe a um profundo mergulho em si mesmo. E é exatamente o que o presente texto propõe.

Mas tal mergulho, dada a sua óbvia natureza, pressupõe o aflorar de múltiplos e contraditórios sentimentos - ora predominam queixas e mágoas, ora sarcasmos ou desejos de vingança e assim por diante. No entanto, quase sempre se chega a um impasse, quando a pessoa se pergunta aonde foi que errou, como se necessariamente um erro tenha que ter sido cometido por uma das partes envolvidas. 

Nesse momento, temos a tendência de buscar um culpado, e este é quase sempre o outro. Mas essa postura, como todos sabemos, é completamente inútil. Tudo o que importa é avaliar o mais serenamente possível o que nos aconteceu - quando a serenidade substituir a angústia e a sensação de desamparo -, preservar o que foi bom e então partir para uma nova história.

No presente caso, tudo indica que a personagem decidiu que não viveria mais nenhuma história. Mas acredito que a opção pelo suicídio, ainda que aceitável dependendo das circunstâncias, aqui poderia ter sido evitada. E não digo isto por questões dramatúrgicas, já que a personagem evidencia brutal esgotamento em face de tudo que viveu. Ocorre, no entanto, que sua inteligência, humor, destempero e fragilidade me fizeram desejar um outro final. Mas a peça não foi escrita por mim, logo...

Bem escrito e contendo reflexões mais do que pertinentes sobre os temas abordados, a peça recebeu ótima versão cênica de Guida Vianna. Lançando mão de um desenho cênico que valoriza, em igual medida, tanto os aspectos mais engraçados do texto quanto aqueles em que o trágico predomina, a encenadora evidencia o mérito suplementar de haver extraído irretocável atuação de Renata Tobelem.

Atriz criada no Tablado e já com vasta experiência profissional, Renata Tobelem exibe não apenas notável capacidade de entrega, mas também uma vasta gama de recursos expressivos, que incluem poderosa voz, irrepreensível trabalho corporal e grande inteligência cênica, fruto de escolhas sempre imprevistas e criativas. Um belo trabalho, sem dúvida, que merece ser prestigiado de forma incondicional pelo público carioca.

Na equipe técnica, considero de excelente nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Lídia Kosovski (cenografia), Sol Azulay (figurino), Felipe Lourenço (iluminação) e Letícia Carvalho (preparação vocal).

A QUANTAS SEPARAÇÕES UMA MULHER É CAPAZ DE SOBREVIVER? - Texto e atuação de Renata Tobelem. Direção de Guida Vianna. Teatro O Tablado. Sábado e domingo, 20h30.    

      

   


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