quarta-feira, 17 de junho de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Pulsões"

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Espetáculo primoroso no Poeira



Lionel Fischer



"Um maestro e uma bailarina convivem em um espaço indefinido, amplo e lúdico, alternando momentos de amor e loucura. O casal sabe que há fragmentos que os unem - mas paira entre eles a ameaça constante da perda de memória. Apenas música e dança podem curá-los".

Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Pulsões", de autoria de Dib Carneiro Neto, em cartaz no Teatro Poeira. Kika Freire assina a direção do espetáculo - inspirado no trabalho da psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) -, estando o elenco formado por Fernanda de Freitas e Cadu Fávero.

Pensando nos leitores mais jovens, julgo conveniente colocar aqui uma brevíssima definição de pulsão. Esta, segundo a psicologia, designa um impulso energético interno que direciona o comportamento do indivíduo. Mas este comportamento diferencia-se do gerado por decisões, posto que ocorre devido a forças internas, inconscientes, e portanto alheias ao processo decisional.

No presente caso, estamos diante de uma mulher que dança obsessivamente. Seria uma psicótica? Não faço a menor ideia. Mas fica evidente que a dança é a sua pulsão. Quanto ao homem, pode ser que ele seja esquizofrênico. No entanto, tudo que importa é que ele é obcecado por música e compõe as músicas que ela dança. Fazer música é a sua pulsão. 

Estamos, portanto, diante de dois seres cujo permanente relacionamento através das mútuas pulsões os impede de sucumbir a lembranças dolorosas, ainda que nebulosas e fragmentadas, do próprio passado. Eles tentam, através da arte, transcender o trágico destino que em princípio lhes caberia em função de suas patologias. E como, além disso, nutrem um pelo outro fortíssima afeição, fica para mim evidente a inspiração de Nise da Silveira, para quem a loucura decorre da falta de afeto e que a cura se torna impossível sem a relação entre as pessoas.

Texto belíssimo, impregnado de dor e lirismo, virulento e delicado, e cujo principal mérito talvez consista em nos propor um olhar mais atento às nossas próprias patologias (que preferimos, naturalmente, amenizar chamando-as de neuroses), "Pulsões" recebeu um tratamento cênico em total sintonia com o material dramatúrgico. Através de marcações diversificadas e criativas, sempre priorizando a materialização de estados emocionais, Kika Freira assina a direção de um dos mais significativos espetáculos da atual temporada. Mas seus méritos também se estendem ao seu trabalho junto ao elenco.

Fernanda de Freitas e Cadu Fávero exibem performances absolutamente irretocáveis, tanto do ponto de vista do universo gestual quanto no que concerne ao texto articulado. Além disso, evidenciam aquele tipo de cumplicidade que só existe quando a confiança é total - tanto no parceiro de cena quanto no projeto. A ambos, portanto, agradeço a maravilhosa noite que me proporcionaram. 

Com relação à equipe técnica, considero primorosa a contribuição de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Fran Barros (iluminação), Teca Fichinski (cenário e figurinos), Rose Verçosa (caracterização), Victor Hugo Cecatto (fotografia e programação visual) e Marco França (direção musical e trilha sonora). E gostaria de enfatizar a maestria dos instrumentistas João Bittencourt (piano) e Maria Clara Valle (violoncelo) - o primeiro mantém com o instrumento uma relação tão visceral e delicada que imagino ser a mesma que dedica a uma pessoa amada.

PULSÕES - Texto de Dib Carneiro Neto. Direção de Kika Freire. Com Fernanda de Freitas e Cadu Fávero. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h. 














6 comentários:

  1. Mestre,
    Obrigado por seu amor pelo Teatro.
    Beijos
    Cadu

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    1. Cadu querido,

      sempre fico muito feliz de te ver em cena, sempre fazendo espetáculos sérios e consequentes.

      Beijos,
      Eu.

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  2. Lionel,
    Muito honrado e feliz.
    Obrigado por seu olhar generoso e atento.
    Dib Carneiro Neto

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    1. Dib amigo,

      obrigado pelas palavras gentis.
      e te agradeço a bela noite que passei.

      Abraços,
      Eu

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  3. leonel vc que delica ler asua critica ,fique muit afim de ver a peça grato

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  4. A peça é simplesmente linda, os atores estão totalmente entregues em cena..a música e o cenário são lindos!!!!

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