sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Banho de sol"

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Várias leituras dificultam conexão



Lionel Fischer



"Primeiro trabalho da Companhia Doêrro - criada em 2014 - a trama abre ao público a possibilidade de várias interpretações. O espetáculo é uma sequência de solos curtos, que abordam a solidão através de linguagens teatrais diferentes". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a essência de "Banho de sol", que tem direção e dramaturgia assinadas por Helena Almeida e Ruy Carvalho, também intérpretes do espetáculo em cartaz no Teatro Café Pequeno.

Como se sabe, o teatro é uma arte fundamentalmente libertária, e portanto pode e deve abrigar uma infinidade de temas e linguagens. No entanto, há que se levar em consideração, como sustenta Peter Brook (maior encenador vivo), que o teatro é essencialmente "a arte do encontro". Ou seja: há que existir algum elo entre quem faz e quem assiste, independentemente da linguagem, tema ou espaço em que se dê a representação. 

No presente caso, estamos diante de um espetáculo que, como consta do trecho do release acima mencionado, permite várias interpretações. Isto, em princípio, nada tem de grave. Mas é óbvio que, dentre várias possibilidades, deve existir ao menos uma com a qual o espectador possa estabelecer uma conexão minimamente satisfatória. Não foi o que me aconteceu, pelas razões que explicito em seguida.

Inicialmente, vemos um homem que, após grande período de imobilidade, começa a proferir palavras intercaladas com uma oração. Este homem, ao longo do espetáculo, empreende uma espécie de partitura, que o leva a repetir gestos e a arrumar e a rearrumar obsessivamente seus pertences - a partir de um certo ponto, seu estado emocional vai se tornando cada vez mais exacerbado, o que o leva a se auto-agredir ou ser agredido por alguém que não vemos. Quem é esse homem? 

Também no início, um vulto de mulher permanece um bom tempo imóvel. De repente, ela começa a falar, mas a iluminação impede que vejamos seu rosto, somente seu vestido. Ela faz uma sôfrega confissão acerca de sua própria personalidade e de como se comporta na vida. Mas o fato de, ao menos durante esta longa fala, não vermos seu rosto, talvez indique que não se trata de alguém em particular, mas da condição feminina. Seria isso?

A partir daí, o homem - como já dito - segue sua partitura. Quanto à mulher, ela basicamente canta trechos de canções infantis. Os dois personagens jamais se encontram (ou tem brevíssimo contato) e talvez a proposta não seja a de mostrar o que está ocorrendo entre duas pessoas que possam ter vivido uma história, mas sim a de enfatizar a solidão humana. Será que esta seria a leitura mais próxima do pretendido? Sinceramente, não sei. 

Seja como for, é inegável a seriedade do projeto, assim como torna-se imperioso destacar o excelente trabalho corporal de Ruy Carvalho e a grande capacidade de entrega de Helena Almeida, assim como a beleza dos figurinos de Júlia Faria (Mulher) e Florência Santángelo (Homem), dos objetos de cena e da iluminação, feita pelos atores com supervisão de Bruno Peixoto.  

BANHO DE SOL - Dramaturgia e direção de Helena Almeida e Ruy Carvalho. Companhia Doêrro. Com Helena Almeida e Ruy Carvalho. Teatro Café Pequeno. Quarta e quinta, 21h.



  







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