sexta-feira, 15 de julho de 2022

 Teatro/CRÍTICA


"Crime e castigo 11:45 - um recorte"


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Obra-prima em bela e surpreendente versão


Lionel Fischer


Um dos mais extraordinários romances de todos os tempos, "Crime e Castigo", de Dostoiévski, já foi analisado por alguns dos mais notáveis pensadores, críticos e filósofos, e portanto me parece inócuo tentar acrescentar algo ao que já foi dito por pessoas infinitamente mais capazes do que eu. E também não julgo necessário resumir o enredo desta obra extraordinária, certamente conhecida pela maior parte dos leitores aos quais me dirijo. O que me parece fundamental é tentar compreender - independentemente do que consta do programa da peça e do release que me foi enviado - as principais premissas que nortearam o projeto. 

De autoria de Liliane Rovaris - a partir da obra de Dostoiévski -, "Crime e Castigo 11:45 - um recorte" está em cartaz na Sala Mezanino do ESPAÇO SESC Copacabana. Liliane Rovaris é a única intérprete, estando a direção a cargo de Camila Márdila, que contou com a colaboração artística de AREAS Coletivo, Adriano Guimarães, Claudia Elias e Emergência Coletivo.

Inicialmente, gostaria de registrar uma dúvida com relação ao título: por que 11:45? Tudo sugere um horário. Sendo isto verdadeiro, teria sido exatamente nesta hora, em um dia específico, que Liliane Rovaris resolveu dar início ao processo de fazer o presente recorte? Ou, quem sabe, o tenha concluído? Ou, para não esgotar a paciência dos que me leem, será que algo de muito importante ocorreu em sua vida exatamente às 11:45 de um dia que, evidentemente, não posso precisar? Enfim...

O fato é que estamos diante de uma singular abordagem da obra de Dostoiévski, posto que não se limita a ela, mas a agrega a passagens marcantes da vida de Rovaris, em especial a partir da morte de seus pais. E se no romance o protagonista, após cometer dois assassinatos, vivencia inúmeros acontecimentos, acaba por confessar seus crimes e inicia um comovente processo de redenção, de certa forma o mesmo ocorreu com a autora - que não matou ninguém, evidentemente. Liliane, ao que tudo indica, também precisou vivenciar muitas coisas até conseguir transformar suas perdas em potente estímulo para prosseguir em sua jornada pessoal e artística - trata-se, naturalmente, de uma hipótese, e como tal sujeita a todos os enganos. 

Estruturado de forma surpreendente, impregnado de passagens  poéticas e eventualmente muito divertidas, o presente texto seduz o espectador ao longo de toda a montagem, por sinal de altíssimo nível. Camila Márdila impõe à cena uma dinâmica em total consonância com o material dramatúrgico, ou seja: se por um lado  prioriza sua natureza intimista e confessional, por outro não deixa de exibir soluções de grande expressividade, como a relação da personagem com imagens projetadas em uma antiga televisão - poderia mencionar outras, mas isto privaria o espectador de surpresas de grande impacto emocional.

Com relação à performance de Liliane Rovaris, esta merece ser considerada extraordinária. E por diversas razões, sendo a principal a opção da atriz - certamente em parceria com a direção - de dar vida a vários personagens sem buscar encarná-los no sentido literal, priorizando o entendimento da dupla narrativa. Tudo transcorre em meio a muita calma, o que não significa a ausência de eventuais tensões e emoções conflitantes. Em minha opinião, Liliane Rovaris demonstra ser possível mergulhar profundamente em questões dilacerantes, sem jamais enfatizá-las visando provocar no público qualquer espécie de catarse. Sem dúvida, uma das mais expressivas atuações da presente temporada. 

No tocante à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Denise Stuts (direção de movimento), Branca Bronstein e Patrícia Tinoco (direção de arte), Gabriela Marra (figurino) e Sarah Salgado (iluminação), cabendo ainda registrar a ótima intervenção em áudio de Adriano Garib na pele do investigador Porfiri.

CRIME E CASTIGO 11:45 - UM RECORTE. Texto de Liliane Rovaris a partir da obra de Dostoiévski. Com Liliane Rovaris. Direção de Camila Márdila. Sala Mezanino do Espaço SESC Copacabana. Horário: quinta a domingo às 20h.



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