sábado, 9 de julho de 2022

 Teatro/CRÍTICA


"O homem do planeta Auschwitz"


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Certas feridas não podem cicatrizar


Lionel Fischer


"A peça conta a história do escritor judeu polonês Yehiel De - Nur, sobrevivente do campo de extermínio em Auschwitz, sul da Polônia, onde morreram milhares de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, e do seu possível encontro com a filósofa Hannah Arendt. Ele foi uma das testemunhas do julgamento de Adolf Eichmann, um dos carrascos mais violentos, responsável por Auschwitz, e que propiciou a Hanna a criação de seu conceito de 'banalidade do mal', discutido até hoje".

Extraído do programa oferecido ao público, o trecho acima sintetiza o essencial das personalidades retratadas, cabendo apenas enfatizar que o encontro entre a filósofa e o escritor é fictício. De autoria de Miriam Halfim, "O homem do planeta Auschwitz" (Casa de Cultura Laura Alvim) chega à cena com direção de Ary Coslov, estando o elenco formado por Mario Borges e Susanna Kruger.

Tendo como temas centrais as opiniões divergentes dos personagens sobre a legitimidade da captura de Adolf Eichmann, na Argentina, por um comando do Mossad - o carrasco nazista foi levado para Israel e após julgamento enforcado em 1961 -, assim como um suposto excesso de teatralidade no julgamento de Nuremberg, o belo e contundente texto de Miriam Halfim faculta à plateia não apenas o acesso às poderosas argumentações dos personagens, mas sobretudo faz questão de nos lembrar que certas feridas jamais cicatrizam, e que o ato de compreender jamais pode ser confundido com o ato de perdoar.

Impondo à cena uma dinâmica austera, felizmente isenta de inócuas mirabolâncias formais, Ary Coslov aposta todas as suas fichas na potência do texto e na interpretação dos atores. Mas embora o considere um dos encenadores que mais entende de atuação, aqui me parece que Coslov comete um equívoco na primeira parte da montagem, felizmente sanado ao longo da mesma. 

Ao longo dos últimos 33 anos de exercício da crítica teatral, já escrevi inúmeras vezes sobre Mario Borges, a quem considero um dos melhores atores do país. Mas por razões que não consegui compreender, o ator inicia a peça num tom tão exacerbado que me impediu, inclusive, de entender tudo que ele diz. Ao mesmo tempo, Susanna Kruger articula seu texto em um tom oposto, trabalhando sua voz em um registro um tanto agudo, sugerindo uma insegurança que a personagem evidentemente não possui.

No entanto, e como já dito, este equívoco inicial se dissipa ao longo da montagem. E quando finalmente abdica de seu tom paroxístico,  então Mario Borges extrai do personagem todo seu imenso potencial, cabendo registrar sua notável capacidade de nos gerar imagens a partir de suas palavras. O mesmo pode ser dito de Susanna Kruger: pouco a pouco sua voz começa a ser trabalhada em um registro mais grave e a ótima personagem adquire a força e a dimensão que a caracterizam. 

Com relação à equipe técnica, Marcos Flaksman assina uma cenografia minimalista e de grande expressividade, esta também presente na soturna iluminação de Aurélio de Simoni. Cabe também destacar os apropriados figurinos de Wanderley Gomes, em total sintonia com as personalidades retratadas, e a excelente trilha sonora de Ary Coslov.

O HOMEM DO PLANETA AUSCHWITZ - Texto de Miriam Halfim. Direção de Ary Coslov. Com Mario Borges e Susanna Kruger. Casa de Cultura Laura Alvim. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h. 

 




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