ADOLPHE
APPIA
A
nova concepção de drama, que teve suas raízes no final do século XIX, demandou uma nova concepção de cenografia assim como na
performance artística do ator. Um dos pioneiros desta época, o cenógrafo suíço Adolphe
Appia (1862-1928), apontava a disparidade entre cenografias bidimensionais e a
tridimensionalidade do ator como um problema a ser resolvido na concepção da cenografia. Para tal,
Appia desenhou cenografias que em sua simplicidade criavam um ambiente tridimensional e
não mais um plano bidimensional como o que ocorria na cenografia tradicional.
Como muitos dos seus contemporâneos
Appia reagiu contra as condições sociais e econômicas do seu tempo, registrando um protesto
romântico por almejar uma arte teatral independente da realidade e determinada somente pela
imaginação criadora do artista. Os dramas musicais de Wagner serviram de ponto focal
para suas idéias. Enquanto que a música e o texto de Wagner eram livres das convenções do
mundo real, a representação dos dramas wagnerianos ainda estavam presos às influências
convencionais do meio teatral.
Para Appia a solução seguia a ideia de que a música
de Wagner constituía não somente o elemento temporal, mas também o espacial, tomando uma forma
física na sua encenação. O ponto de partida para Appia foi a concepção wagneriana de
Gesamtkunstwerk, ou da participação igual de todas as artes na obra artística total, embora
sua visão seja distinta da de Wagner. Este tipo de pensamento favorece ao ator treinado em dança e
ritmo. Uma influência decisiva no seu pensamento foi seu encontro em 1906 com Emile
Jacques-Dalcroze (1865-1950), que com sua ginástica rítmica representava a realização da
síntese entre a arte musical e o corpo vivo do ator. Esta síntese se refletirá nas criações de
Appia intituladas “espaços rítmicos”, realizados a partir 1909. Estes demonstravam o
princípio do “espaço vivo” formulado na L'œuvre d'art vivant (1921).
A obra de Appia é antes de mais nada uma obra de
reflexão, está contida basicamente nos seus três livros mais importantes: La Mise en
scène du drame wagnérien (1895), Die Musik und die Inszenierung (1899) e L'œuvre d'art
vivant (1921). Appia tem como ponto de partida para suas reflexões a obra wagneriana, é ela
que dá a suporte para sua discussão e que com suas contradições torna-se a fonte principal de
seu trabalho.
Os seus primeiros esboços são destinados a
Tetralogia. Seus primeiros escritos concernem a representação do Der Ring des Nibelungen
(Anel dos Nibelungos) e a mise en scène do drama wagneriano. É com esta obra cheia de
possibilidades e problemas cênicos que ele vai se preocupar e são suas representações
que provocaram sua reação. Appia identificou os seguintes problemas essenciais: 1.
Wagner criou um novo tipo de drama onde a sua força expressiva baseia-se na vida interior dos
personagens e que estes são suficientes para a localização espacial da ação dramática; 2. as
óperas de Wagner eram representadas com os tradicionais panos de fundo pondo em
contradição o ator como um ser vivo e uma cenografia que tentava representar ou criar a ilusão
de um ambiente.
No entanto, as indicações cênicas supérfluas
mantiveram o drama wagneriano preso à visão realista de seus contemporâneos.
Apesar de ter renovado a estrutura dramática, Wagner manteve a representação tradicional. Para Appia o
Festspielhaus representava o gênio de Wagner mas em compensação as suas produções exprimiam uma
grande contradição entre as propostas de renovação de Wagner e a impossibilidade de
realizá-las. Com a consciência da oposição entre o drama wagneriano e a
falsidade dos telões de fundo pintados, Appia criticou as práticas teatrais de
seu tempo. Condenou o espaço cênico italiano com sua oposição de dois mundos
claramente distintos, o do espectador e o do mundo fictício. Esta distinção
entre o mundo real e o imaginário levou Appia a propor a criação de um mundo
cênico que desse a ilusão de ser um mundo real. Com a impossibilidade de imitar o mundo real no palco, Appia propõe a cópia deste
universo através da criação de um mundo simbólico. Ele transforma a cenografia em um
conjunto de signos que fornecem ao espectador toda a informação demandada para sua localização
histórica, geográfica, social etc. A pintura pode imitar o mundo real, Appia impõe limites as
suas convenções, ele reduz toda figuração a superfícies planas.
Para a criação no teatro de um espaço delimitado,
ele o faz através de grandes panos ou cortinas verticais penduradas uma atrás da outra
e que criam a ilusão de que o ator penetra na cena - a cena passa a ser tridimensional. Ainda o
ator deve ser posto em algum plano horizontal para delimitar-se outra linha do espaço
cênico, os grandes tablados horizontais, os praticáveis, fornecem este plano de estabilidade
formando um grande equilíbrio com o plano R.cient./FAP, Curitiba, v.4, n.1
p.1-16, jan./jun. 2009 10
vertical. A busca por uma cenografia simbolista
terminou com a incompatibilidade entre a cenografia e o ator, a realidade do ator e a ficção
da cenografia, onde os elementos deixaram de ser submissos à presença humana.
Para Appia o teatro deveria oferecer uma unidade
perfeita de representação, uma harmonia completa entre os diversos elementos que
compõem o espetáculo. Ele parte de uma reflexão sobre as contradições do drama wagneriano e
ataca a noção da Gesamtkunstwerk. Para ele, a síntese entre as artes não passa de uma
utopia, Appia escreve: “Se a arte dramática deve ser uma reunião harmoniosa, a síntese suprema
de todas as artes, eu não compreendo mais nada de algumas destas artes, e muito menos a
arte dramática, o caos é completo” (APPIA, 1921, p. 31). Appia propõe uma distinção
entre as artes temporais e as espaciais. Ele não tenta fazer a síntese entre todas as artes
proposta por Wagner mas sim uma ordenação entre os elementos do espetáculo que tenham uma
importância essencial para que a arte dramática atinja seu maior potencial expressivo. Em
suma, Appia refuta a separação entre a cenografia e o ator imposta pela ilusão criada pelo
realismo e nega a concepção wagneriana de uma ação comum entre as artes, desta maneira se
afastando da concepção original de Gesamtkunstwerk. Sua proposta é a de uma
hierarquização entre os elementos que fazem parte do drama. A hierarquização proposta por Appia,
embora artificial, estabelece o seguinte, em ordem de importância: ator, espaço cênico e
iluminação.
Ator
Para Appia o fundamento da arte teatral é a ação
dramática. O portador desta ação é o ator que encarna o personagem, é um elemento vivo e
plástico e é o centro da cena. A atenção do espectador se concentra sobre sua presença, que é
de onde emana todo o poder expressivo da ação dramática. Segundo Appia, O ator é o fator essencial da ação dramática, é ele
que vemos e é dele que é expressa toda emoção que procuramos. Devemos a todo
preço fundamentar a ação dramática na presença do ator e portanto devemos
evitar todo tipo de contradição com sua presença. Assim, o problema técnico é
claramente exposto (apud BABLET, 1989, p. 249).
Espaço Cênico
Assim, Appia rejeita novamente a cenografia
bidimensional representada pelos telões de fundo e favorece a cenografia em três dimensões. Sendo o ator o elemento mais importante dentro da
hierarquização proposta por Appia, é natural que a questão do espaço cênico se
volte para a tridimensionalidade. Também é natural supor-se que haverá uma congruência
plástica entre a cenografia e o ator. Esta harmonia é alcançada através de elementos espaciais
que demandam do corpo humano sua expressão natural ao se mover em um ambiente tridimensional.
Para Appia, os movimentos do corpo humano demandam obstáculos
para se expressar, todos os artistas sabem que a beleza dos movimentos do
corpo dependem da variedade de pontos de apoio que oferecem o chão e os objetos
(Apud BABLET, 1989, p.254).
Appia constata que para a completa expressão do
corpo humano são necessárias certas resistências que devem ser ordenadas em volumes e
planos de contraste, daí a geometrização dos cenários de Appia, onde são empregados um número
de linhas retas, verticais, horizontais e oblíquas, praticáveis e escadas (a escada nada
mais é que uma combinação de linhas oblíquas, verticais e horizontais), e que oferecem
ao corpo humano uma complexa resistência onde sua expressão é forçada ao máximo. Appia designava estes cenários de espaço rítmico.
Iluminação
A iluminação almejada por Appia é aquela que dá vida
ao espaço pelo seu jogo de sombras e que age sobre nossa sensibilidade pela sua
intensidade variável, sua direção, suas diferentes cores e sua mobilidade. No teatro a
iluminação é um fator de animação, de sugestão e de evocação de uma natureza que se aproxima à
música, ela pode evocar determinadas atmosferas e ambientes de forma subjetiva. Ainda a
iluminação assegura a fusão entre os diferentes elementos do espetáculo. Para Appia, a
iluminação tem as seguintes funções: 1. ela aumenta o valor plástico do universo cênico, e lhe
confere seu máximo poder expressivo; 2. contribui para a criação de uma atmosfera ou um
ambiente cenográfico; e 3. a iluminação pode substituir os signos fornecidos pela pintura, e
pode criar a cenografia de si mesma ou através de sombras sugestivas.
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